Flávio Bosco
A energia elétrica produzida nas
centrais de cogeração a partir
da biomassa da cana de açúcar,
destinada ao mercado consumidor
está em momento de crescimento.
Desde 2004 a capacidade instalada
foi ampliada de 1.848 para 5.800 MW
e as perspectivas para os próximos 10
anos são ainda maiores. "O programa
em desenvolvimento estabelece a
possibilidade de um incremento médio
anual de 1.000 MW, adicionais até o horizonte de 2020, podendo atingir
o patamar de 15.000 MW instalados",
lembra Carlos R Silvestrin, Vice Presidente Executivo
da Cogen - Associação da Indústria de Cogeração
de Energia.
Segundo o DataCogen - um banco de dados desenvolvido
e gerenciado pela Cogen contendo informações
de todos os empreendimentos de cogeração
em operação no Brasil - em 2009, 33 novas centrais
de bioeletricidade iniciaram operação comercial,
totalizando 955 MW; em 2010 mais 26 entraram em
operação comercial, adicionando mais 1.073 MW.
Dessas centrais, mais de 90% possuem cogeração
de energia, proporcionando auto suficiência em seu
processo industrial - as cogeradoras que possuem
instalações mais eficientes com caldeiras de alta
pressão também exportam energia ao sistema.
O CTC – Centro de Tecnologia Canavieira realizou
pesquisa para avaliar a eficiência elétrica das
usinas brasileiras para produção exclusiva de açúcar
e/ou etanol. Para isso, o professor Hélcio Martins
Lamonica, especialista em tecnologia agroindustrial
do CTC, organizou dois levantamentos
energéticos: um para usinas típicas ou modificadas
até 2001 e outro para usinas implantadas ou modificadas
depois daquele ano.
O ano divisor do estudo, 2001, foi escolhido porque
foi a partir dele que as usinas começaram a ter
maior acesso ao mercado de eletricidade, investindo
para gerar excedentes para a venda.
A base de dados do CTC possui informações
detalhadas de 108 usinas que processaram
233 toneladas de cana em 2009 – cerca de 40% da produção do país.
O estudo considerou que as usinas são
auto-suficientes na produção de calor e
eletricidade utilizando somente bagaço
de cana como combustível. Isso é possível
quando o ciclo térmico utiliza vapor
de 22 bar e temperatura de 300oC. Os
levantamentos foram feitos tendo como
base a moagem média de uma usina
típica de cada período, mas são aplicáveis
a usinas com outras capacidades
de processamento. O estudo também
considera que 100% das usinas no Brasil são autosuficientes
pelo menos na geração de eletricidade.
"Em média precisamos de 32 kWh de eletricidade – para iluminação, motores, etc - para processar
uma tonelada de cana. O estudo mostra (tabela) que
uma usina que processe 2.000.000 de t de cana na
safra demandaria uma potência da rede de 16 MW
e teria um consumo durante a safra de 64.000 MWh/
safra. Resumindo: para o Brasil, considerando uma
moagem de 560 milhões de toneladas de cana, se
20% das Usinas comprassem eletricidade da rede
teríamos uma potência de 450 MW e um consumo de
1.800.000 MWh!", comenta Lamonica.
A eficiência total no estudo foi considerada
como sendo a soma das eficiências elétrica e mecânica,
ou seja, a eficiência eletromecânica. Issoé importante porque as análises mostraram que as
potências dos acionamentos termomecânicos são
importantes e geram um falso valor baixo para a
eficiência elétrica.
A pesquisa mostrou que a eficiência elétrica nas
usinas do grupo 1 – usinas até 2001 - obtida foi de
2,5% e a eficiência eletromecânica foi de 5,8%. Para
as usinas do segundo grupo, que estudava usinas
construídas ou modificadas depois de 2001, a eficiência
elétrica foi de 3,5% e a eletromecânica de 7%.
Para os fabricantes de caldeiras, de 5% em diante
de eficiência energética são suficientes para garantir
retorno para a compra de caldeiras e equipamentos
mais modernos.
Considerando que as caldeiras novas têm eficiência
entre 80% e 87%, pode-se inferir que uma caldeira
mais eficiente implica diretamente num menor
consumo de combustível. Lamonica lembra que motores
ou turbinas mais eficientes possibilitam produzir
mais eletricidade por tonelada de cana processada – eles aumentam a eficiência elétrica da
planta - mas não refletem no consumo de combustível
diretamente.
Carlos Henrique Dalmazo, gestor de Engenharia
da Equipalcool, lembra que se pode afirmar que
a caldeira é o coração da usina e na Equipalcool se
produz caldeiras aquatubulares - onde a água se
transforma em vapor no interior de tubos e o fogo
fica por fora - mais comuns em plantas termelétricas
e geração de energia elétrica em geral, exceto em
unidades de pequeno porte. "Lançamos o economizador
com tubo aletado que aumenta a capacidade
de troca térmica das caldeiras e temos trabalhado
para desenvolver equipamentos que minimizem as
paradas das caldeiras. Também estamos trabalhando
no regenerador, que aumenta a eficiência
da caldeira e, no distribuidor vortex que diminui as
explosões das fornalhas".
A utilização de lavadores de gases ou outros
equipamentos para controle de emissões pode influenciar
no rendimento do conjunto porque esses
equipamentos embora obrigatórios consomem
energia. A caldeira utiliza aproximadamente 2%
de energia para limpeza de gases pelo lavador ou
equipamentos similares. "Equipamentos antipoluição geralmente não trazem
ganhos energéticos- exceto os precipitadores
eletrostáticos -, apenas ambientais, daí a dificuldade
de se justificar sua utilização aos empresários, pois
os benefícios são intangíveis", pontua Lamonica.
O setor sucroenergético vive um ciclo de reestruturação
empresarial com o crescente interesse na
realização de investimentos em projetos de cogeração
de bioeletricidade, com a utilização de caldeiras
de alta pressão - no passado eram utilizadas
caldeiras de baixa eficiência que consumiam muito
vapor, pois o bagaço era visto como um lixo a ser
descartado; atualmente o bagaço é "uma matéria
prima de valor", pois possibilita a produção de
bioeletricidade para o consumo próprio e também
para exportação ao sistema elétrico. Dessa forma
as usinas passaram a buscar equipamentos mais
eficientes, como caldeiras de 100 bar de pressão,
até três vezes mais eficientes que as caldeiras de
baixa pressão.
Os projetos de usinas novas que serão implementados já são dimensionados para utilizar caldeiras de
alta pressão, e as usinas existentes que têm caldeira
de baixa pressão deverão substituí-las por caldeiras
mais eficientes. Assim, as usinas com potencial de desenvolver
o retrofit, representam hoje uma reserva potencial
de biomassa para oferta de bioeletricidade. E
o estudo do CTC também pode servir de embasamento
para a aquisição desses novos equipamentos.
A Secretaria de Saneamento e Energia do Estado
de São Paulo realizou, em 2009, um levantamento
das características das caldeiras em operação no
Estado de São Paulo:
O levantamento indica que há grande potencial
de retrofit nas usinas antigas para incorporação
de caldeiras mais eficientes e outras tecnologias e
processos, com utilização ampla e racionalizada da
reserva de bagaço disponível e da disponibilidade
de palha/pontas, decorrente da eliminação do uso
do fogo na colheita da cana.
De acordo com os principais fabricantes de caldeiras,
para a queima de biomassa da cana esses
equipamentos podem operar com pressões variando
de 67 até 120 bar, variando conforme a necessidade
e a estratégia de cada empreendimento. A
temperatura vai depender da pressão utilizada, podendo
chegar até 540º C para as caldeiras de 120
bar, e operar com capacidade de até 400 toneladas
de vapor por hora.
A Caldema, por exemplo, fabrica caldeiras que
possuem características construtivas que permitem
partidas e paradas rápidas, por não terem tubos
mandrilados e, em decorrência disto, não há vazamentos
ou desmandrilamento e não existem tensões
entre a solda e o costado, que operam na mesma
temperatura. Outro diferencial em suas caldeirasé o superaquecedor 100% drenável e a grelha pinhole
refrigerada a água que permite a limpeza automatizada
sem interrupção na alimentação de combustível
de vapor, alem de propiciar baixa manutenção
por não dispor de peças móveis. A Caldema já implementou
duas caldeiras com 100 bar de pressão
no grupo Zilor.
Outra fabricante de caldeira, a Brumazi,
apresenta caldeiras com 90 bar de pressão,
530º C de temperatura e capacidade para produzir
300 toneladas de vapor por hora.
Silvestrin lembra que as novas unidades de produção
de açúcar e etanol também são projetadas para
produzir e comercializar bioeletricidade. No passado
o conceito era "bagaço que não sobre e não falte,
na próxima safra teremos novamente". Para isso as
caldeiras utilizadas eram as de baixa pressão, que
consumiam 12,5 kg de vapor para produzir 1,0 kWh.
Atualmente o conceito é "eficiência energética e sustentabilidade" com a utilização de caldeiras de alta
pressão, que consomem 4,7 kg de vapor para produzir
1,0 kWh com a mesma quantidade de biomassa. Segundo dados da Cogen, nos próximos anos a
perspectiva é de sejam implementados 10.000 MW
de capacidade instalada de bioeletricidade no Brasil,
com um incremento médio de 1.000 MW por ano.
No Estado de São Paulo haverá cerca de 120 projetos de bioeletricidade gerando acima de 50 MW por
central, para serem conectados até 2020.
A potência
instalada comercializada será da ordem de 10.000
MW, correspondentes a 5.500 MW médios. A Unica
tem afirmado que a bioeletricidade do setor tem,
até 2019, potencialidade equivalente a três usinas
Belo Monte, mas a irregularidade na contratação
da energia já disponível desorganiza essa cadeia.
Zilmar de Souza, especialista em Bioletricidade da Única, pontua que a contratação deve começar a ser
feita por potencial da fonte ou mesmo que os leilões
devam ser regionais e cita que, já em 2013, as projeções
mostram que as sobras no NE serão equivalentes
a 75% da folga total de energia do sistema.
"Além disso, as novas unidades não utilizam
mais o fogo na colheita, e o mesmo está ocorrendo
com as usinas existentes, que formalizaram o "Protocolo Agro-Ambiental" que estabelece o fim
do uso do fogo na colheita até 2014. Com isso, todos
os empreendimentos, inclusive aqueles que
estão promovendo atualização tecnológica também
estão sendo projetados para produzirem excedentes
para comercialização nos ambientes de
contratação (leilões) regulado e livre", pontua o
vice presidente executivo da Cogen, que resume
as vantagens e benefícios da bioeletricidade:
Eficiência energética: permite obter ganhos de
eficiência energética (energia elétrica e térmica
produzida por unidade de combustível utilizado)
muito superior à alternativa de produção separada
de eletricidade e vapor e calor / frio. Isso representa
um menor consumo de energia, com baixa
emissão de CO2.
Segurança operacional: possibilita ao usuário
final de energia melhoria das condições de segurança
e confiabilidade operacional além da autosuficiência
energética, com menor vulnerabilidade
aos riscos hidrológicos e regulatórios.
A bioeletricidade é complementar da hidroeletricidade, pois
a sua produção coincide com o período seco, contribui
para a minimização dos riscos no abastecimento
de energia elétrica;
Desenvolvimento econômico sustentável: a
indústria da bioeletricidade é um importante fator
de desenvolvimento econômico sustentável, adicionando
maior competitividade aos produtores
de tecnologia e à indústria da cana de açúcar;
Renda e Meio Ambiente: a bioeletricidade proporciona
ganhos sociais e ambientais, com a geração
de postos de trabalho na indústria de equipamentos
e no setor sucroenergético.
Além disso,
a bioeletricidade produzida possui baixa emissão
de gases de efeito estufa, o que representa menos
complexidade para obtenção de licenciamento;
Prazo para implantação: os projetos de cogeração
com biomassa são implantados, em média,
com prazos inferiores a 18 meses.
Algumas usinas que já estão em operação comercial
alcançam atualmente uma receita em
torno de 10% a 15% na venda da bioeletricidade
e assumem que, quando atingirem o máximo aproveitamento
do bagaço e da palha para geração de
bioeletricidade, esse percentual poderá representar
até 30% da receita da usina.
E a utilização dessa
energia representa economia de 4% dos reservatórios
para cada mil MW médio de bioeletricidade no
período seco, que vai de abril a novembro. "A bioeletricidade representa em torno de 5%
da matriz elétrica brasileira, e a previsão em 2020é que represente 15%. Dessa forma, a energia a partir
do bagaço da cana é uma energia renovável firme,
injetada no sistema interligado nacional no período
seco, de forma a contribuir com a complementaridade
de outras fontes e que contribuirá para o desenvolvimento
sustentável do país" finaliza Silvestrin.
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