Edição 139 – 2012
O avanço das máquinas
Flávio Bosco
 

Nos últimos anos as máquinas avançaram na lavoura da cana-deaçúcar. Mas esse é apenas metade do caminho da modernização.
Chegou a hora de tirar proveito da agricultura de precisão.


A Valtra passou as três últimas safras testando seu protótipo de piloto automático nos campos da Usina Santa Fé. Agora está prestes a apresentar a solução para o plantio e colheita da cana. Depois da “invasão” das máquinas, o compromisso dos fornecedoresé aumentar a produtividade dos canaviais – e o caminho para isso devem ser as técnicas da agricultura de precisão. Quando as primeiras colhedoras chegaramà lavoura da cana, na década de 90, de cada hectare eram colhidas em média 80 toneladas. Desde então, mesmo com toda a evolução das máquinas e implementos, esse indicador avançou muito pouco – e ainda trouxe problemas como a compactação do solo, que prejudica o desenvolvimento da raiz e a nutrição da planta, e a condução de impurezas para dentro da usina.

A experiência de quem superou os problemas da mecanização mostra que, mal projetada, a colheita mecanizada representará mais danos ao rendimento operacional do que uma vantagem para a lavoura. Mecanizar exige um planejamento meticuloso, com mudanças nos processos e nas variedades – e qualificação de mão de obra. E a tecnologia pode auxiliar no aumento da produtividade e na redução de custos. “Tudo o que venha ajudar a reduzir os custos de produção é bem vindo para o setor – e mesmo que a capacidade de investimento hoje não seja como há alguns anos, sempre que houver tecnologias que auxiliem o setor nesse sentido, elas acabam sendo absorvidas”, enfatiza o diretor de Produtos da AGCO, Jak Torreta Jr. O protocolo agroambiental, firmado em 2007 entre a União da Indústria da Cana-de-Açúcar e o governo do estado de São Paulo para antecipar o fim das queimadas nos canaviais, acelerou a mecanização. A corrida coincidiu com a perspectiva de explosão do consumo puxada pelo advento dos carros flex e os movimentos da Europa e EUA em busca de um combustível mais limpo, que elevou a área cultivada.

Na safra 2006/2007, com uma frota de 753 colhedoras, 34% do canavial no estado foi colhido através de máquinas. Passadas sete safras, a área plantada havia crescido de 3,3 milhões de hectares para 5,4 milhões de hectares e a quantidade de colhedoras subiu para 2890 – o que elevou o índice de cana colhida para 65,2%. “Na safra 2012/2013 a expectativa é que ultrapassemos 70%”, adianta o coordenador de fiscalização ambiental da Secretaria de Meio Ambiente do estado, Ricardo Viegas. Nas áreas de nova fronteira, boia-fria é uma figura rara. As usinas já nascem seguindo novas regras. Os índices de mecanização se aproximam ainda mais do total cultivado – segundo dados da Associação de Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul - Biosul, o estado alcançou 94% na mecanização da colheita na safra 2012/2013.

De acordo com levantamento feito pelo Centro de Tecnologia Canavieira, 82% dos canaviais na região Centro Sul são colhidos com máquinas. A mecanização da lavoura não se resumeà colheita. Até para a palha que fica no campo já existe uma máquina enfardadora, desenvolvida pelo CTC em parceria com a New Holland. No plantio, o ritmo de avanço foi muito mais rápido do que o observado na colheita – pelas estimativas do CTC, 60% do plantio é feito com máquinas. Há quatro anos as plantadoras respondiam por apenas um terço do trabalho. Ainda falta fazer com que toda essa mecanização traga um salto de produtividade – cada máquina colhe por dia 500 toneladas de cana por dia. No plantio, a capacidade da máquina é de 8 hectares por dia. “O plantio mecanizado não é uma tecnologia, mas uma necessidade: com o crescimento da colheita mecanizada, o cortador de cana, que na entressafra fazia o plantio, arrumou outro emprego. E hoje não tem mão de obra disponível para plantar cana”, ressalta o engenheiro agrônomo Auro Pardinho, gerente de Marketing da DMB.

A empresa desenvolveu, em parceria com a Basf, um dispositivo para aspergir os toletes com fungicidas, na hora do plantio – acoplado à plantadora, o equipamento pulveriza os toletes na calha antes de serem jogados no solo. “As empresas de agroquímicos começaram a trabalhar para registrar os fungicidas para tratamento de toletes. Nós temos que desenvolver como aplicar esse produto de maneira mais eficiente”, acrescenta. A falta de intimidade com as colhedoras provocou alguns reveses às lavouras – os mais sentidos foram a perda da produtividade, a infestação de pragas e pisoteio das soqueiras. Usinas experimentaram alterar o espaçamento entre as “ruas” de canas – e fabricantes desenvolveram máquinas para trabalhos em diferentes espaçamentos.

A despeito da responsabilidade da natureza – que nas últimas quatro safras alternou excesso de chuvas com seca – em 25 anos, a produtividade média no Centro Sul tem se mantido em 84 toneladas por hectare. No plantio, gasta-se em média 18 toneladas para plantar um hectare – esse uso excessivo de mudas, que brotam diversas
gemas, gera uma disputa por água, luz e nutrientes. Os novos desenvolvimentos têm como pano de fundo a redução de custos para o produtor. Produzir uma tonelada de cana não custa menos de R$ 50 – R$ 20 desse custo é gasto com corte, carregamento e transporte - CCT. Buscar tecnologias que reduzam os custos nessa fase do ciclo é
primordial. “A cultura da cana é centenária e por muitos anos as técnicas de cultivo foram passadas por gerações, e provaram ser eficientes para os padrões da época. Todavia, as máquinas que
queremos hoje não são máquinas novas em conceito (talvez a plantadora seja um exemplo que se destaca pela mudança recente pelo plantio de cana picada), pois as atividades mecanizadas em campo são as mesmas há anos. Talvez o aumento da produtividade venha com a mudança de conceitos”, avalia o professor da UFMS, Fábio Henrique Rojo Baio, especialista em agricultura de precisão.




Uma boa colhei ta inicia-se com um
bom plantio
 

Pioneira na aplicação dos recursos da agricultura de precisão no cultivo de cana-de-açúcar, a Usina São Martinho já tem, desde 2011, todo o seu plantio monitorado com piloto automático – a tecnologia também é adotada em 35% da colheita e na aplicação de corretivos. O índice de mecanização na colheita própria é de 98%. Na colheita mecanizada dos fornecedores é de 90%. O plantio mecanizado possui um índice geral de 90%. Nos últimos três anos a situação das lavouras é monitorada com imagens de satélite – isso possibilita, por exemplo, que os inseticidas sejam
aplicados somente onde manchas apontam a presença de migdolus. Mas o pessoal da área agrícola da Usina reconhece que ainda há espaço para reduzir as perdas e impurezas materiais
e ajustar a bitola do sistema de rodagem, além da eficiência no consumo de diesel.

Já em plantadoras, o avanço tecnológico deve dar atenção para o sistema de dosagem de toletes, redução do peso da máquina e melhoria da disponibilidade dos equipamentos. Na última década, as empresas dedicadasà agricultura de precisão despejaram no mercado os sistemas de mapeamento de fertilidade do solo e aplicação de adubos, desenvolveram os algoritmos de correção de erros, e sistemas piloto automático – o setor canavieiro foi o primeiro a apostar nessa ferramenta. Instalado em tratores,
colheitadeiras, plantadeiras e equipamentos de irrigação, piloto automático guiado por GPS trouxe uma ajuda enorme à navegação no campo, com o mapeamento georreferenciado do plantio para a reprodução do percurso durante a aplicação de insumos e colheita.
Hoje o sistema de posicionamento mais adotado é o Real Time Kinematic - RTK. Na Raízen, esse sistema, que já era utilizado no plantio, passou a ser adotado na colheita mecanizada na última
safra. “Algumas operações específicas de preparo de solo também utilizam essa tecnologia”, destaca o diretor agrícola do grupo, Cassio Paggiaro. Os receptores de sinais fornecem as coordenadas
de posicionamento que alimentam os computadores que irão desenhar o mapeamento.

Os mais recentes desenvolvimentos buscam controlar e atuar no direcionamento do trator em áreas irregulares. Os pilotos automáticos mais avançados permitem planejar a sistematização das linhas de plantio, otimizando o espaço disponível. A Valtra utiliza o conceito da telemetria via sinal GPRS – de telefonia celular – para o gerencia- mento da frota à distância. As informações para acompanhar a eficiência das máquinas agrícolas podem ser visualizadas e acompanhadas online. “Consigo ter informações de quanto tempo a máquina ficou ligada, e se ela estava em operação, manobra, transporte ou com o motor ligado mas ocioso, consumindo combustível sem necessidade.

O cliente pode programar as manutenções e, dependendo do caso, a concessionária pode ter acesso para disponibilizar os técnicos”, exemplifica o coordenador de marketing de produto ATS da Valtra, Gerson Filippini Filho. A série de colhedoras A8000, da Case IH,é equipada com computador de bordo que se comunica com o software de agricultura de precisão AFS Desktop Software e o piloto automático AFS Guide, além de um novo software de controle do consumo do combustível e melhorias no sistema de arrefecimento da caixa do motor, no sistema de controle automático do corte de base e em alguns itens de segurança das máquinas.

O software Smart Cruise, por exemplo, ajusta automaticamente a rotação de trabalho da colhedora para otimizar o consumo de combustível quando a demanda de carga é menor. “Temos também as mudanças de espaçamento dos canaviais, em busca de maior produtividade. As máquinas versáteis colhem em espaçamentos que vão de 1 metro a 1,5 metro”, destaca o especialista em marketing de produtos da Case IH para cana de açúcar, Fábio Balaban.

O piloto automático, no entanto, é apenas uma ferramenta da agricultura de precisão. Com a análise dos dados coletados na lavoura, é possível aplicar alguma recomendação. “A aplicação desse conceito com calcário ou adubo está funcionando relativamente bem. Todavia, há muito o que ser feito para o controle de plantas daninhas e pragas de solo. O sensoriamento remoto vem se mostrando promissor para auxiliar na coleta de dados de informações diversas para recomendação
de vários insumos, que não somente o corretivo”, avalia o professor Fábio.

Quebra de paradigmas
 


Nesta safra o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol - CTBE leva aos canaviais o primeiro protótipo de uma Estrutura de Tráfego Controlado - ETC, uma máquina desenvolvida
para reduzir o tráfego de máquinas sobre a área plantada, evitando o pisoteio. As rodas do equipamento percorrem trilhas permanentes, espaçadas nove metros umas das outras, previamente definidas e georreferenciadas, minimizando o contato com o terreno cultivado. As colhedoras hoje em operação pouco se diferenciam dos primeiros modelos a colherem cana nos campos do estado de São Paulo. Adaptadas das lavouras australianas, essas máquinas evoluíram com o advento de vários componentes e melhorias nos sistemas hidráulicos – mas ainda estão longe do que pode ser considerado ideal no quesito rendimento operacional. Prova disso são os índices de produtividade – praticamente estáveis nas últimas duas décadas.

Ou seja, falta ainda a segunda parte dessa trajetória. “Especificamente
em plantadoras, há necessidade de equipamentos de tamanhos adequados a diferentes situações de topografia e relevo”, avalia o
diretor agrícola da Raízen, Cassio Paggiaro. 70% das áreas plantadas pela Raízen são mecanizadas. Na colheita a mecanização atinge
85% das lavouras próprias – em áreas de fornecedores 65% de cana é colhida mecanicamente. A colheita mecanizada precisa ainda superar
as áreas de maior declividade – nessas áreas, as potentes e pesadas colhedoras atualmente em operação se tornam instáveis e menos eficientes.

Enquanto a questão não é resolvida, as áreas onde a máquina não alcança estão em desuso. Nos canaviais da região Nordeste, localizados em áreas de maior declividade, a mecanizaçãoé insignificante – no plantio praticamente não existe e na colheita se expande nas áreas com topografia plana, principalmente, nos estados onde há uma demanda maior de mão de obra. Para as regiões mais acidentadas, há uma necessidade de máquinas acapotadas – já existe uma evolução do ancinho, um equipamento que custa entre R$ 1 mil e R$ 3 mil e é acoplado no terceiro ponto do trator para embolar a cana para o corte.

No Instituto Agronômico - IAC, onde surgiu o sistema de corte de base com lâminas serrilhadas, os pesquisadores buscam agora um modelo de máquina menor, que atenderia aos aos pequenos fornecedores, para trabalho em áreas com declividade, abrir aceros, bordaduras e colher sobre as curvas de nível. “Este projeto se encontra na fase de concepção e estamos buscando novas parcerias que possam contribuir com ideias e na execução”, revela o pesquisador Roberto da Cunha Mello. Via de regra, a evolução das plantadoras e colhedoras surge dentro das próprias usinas –ninguém melhor do que o próprio usuário da máquina para saber o que precisa ser aperfeiçoado – e depois são aproveitadas pelos fabricantes.

Dois exemplos são a melhoria do sistema de ventilação de colhedoras, proposta pela Usina São Martinho, e o desenvolvimento do corte de
base flutuante, desenvolvido no CTC e aprimorado pelos fabricantes – o auto tracker da Case e o CACB da John Deere, que controlam altura do corte da cana automaticamente. Nas plantadoras, a melhoria do sistema de cobrição de cana, adequação das bombas hidráulicas e taliscas para ajuste da distribuição e dosagem de cana também surgiram dessa forma. “O modelo de colhedora é o mesmo, mas ele vem melhorando ano a ano, e o CTC teve um papel importante nessa
mudança”, destaca o especialista em tecnologia agroindustrial do CTC, Marcelo Pierossi.

Um breakthrough ainda esbarra na falta de relacionamento entre fornecedores e usinas e o meio acadêmico. Entre os dois primeiros, num mercado tão concentrado, formado por menos de uma dezena de fabricantes de colhedoras e tratores, não há como parcerias não serem habituais. Mas a integração com universidades e centros de pesquisa não consegue repetir, na área de máquinas, a mesma interação observada na área genética. O professor José Paulo Molin, do Departamento de Engenharia Rural da Esalq, ressalta que essa relação torna-se mais próxima quando o mercado aguarda um pacote tecnológico – ou a indicação de uma tendência. Agora, por exemplo, os fabricantes de máquinas e usinas aguardam que dos centros de pesquisa surja uma resposta para a automatização de diagnóstico sobre adubação nitrogenada.

Esses, via de regra, são casos ainda escassos. Um caminho já traçado pela Odebrecht pode ser tomado como solução: financiar o desenvolvimento tecnológico. O grupo fechou com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp um acordo de cooperação para pesquisas, com aporte de R$ 10 milhões, onde estão contemplados dois projetos relacionados a agricultura de precisão desenvolvidos na Unicamp. “A usina ou o usuário tem que desenhar demandas – e tem que repassar para alguém que tenha perfil para resolver essas demandas”, argumenta o professor. Outra linha de desenvolvimento busca mudar o plantio.

Depois das mudas batizadas pela Syngenta com a marca Plene, a corrida foi aberta. No final do ano passado o Instituto Agronômico de Campinas – IAC anunciou sistema de mudas prébrotadas, que substitui a distribuição de colmos. É nesse contexto que a produção de cana-deaçúcar como conhecemos dará espaço para novas configurações. “Existem fatores ambientais que colaboraram muito para a queda na produtividade. Porém, há muitos profissionais que não perceberam que as coisas mudaram e não se adaptaram às mudanças”, finaliza o produtor Vitor Paschoal, da Companhia Agro Pastoril Paschoal Campanelli. A mecanização de processos que eram essencialmente manuais exigirá mais do que vontade.
 
 
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