Edição 134 – 2012
O canavial pede melhor tratamento

Flávio Bosco

O envelhecimento dos canaviais e as condições climáticas desfavoráveis derrubaram o rendimento agrícola na safra 2011/2012 até a segunda quinzena de novembro, quando 60 unidades ainda operavam, a moagem na região Centro-Sul do País somou 488,46 milhões de toneladas, segundo levantamento realizado pela Unica. O número é 10,23% menor quando comparado com o volume acumulado na safra 2010/2011. O mesmo levantamento aponta que a concentração de ATR atingiu 137,68 kg por tonelada, uma queda de 2,32% em relação a safra passada.

Todas as projeções feitas pelo Governo e por consultorias também apontam quebra na safra: o levantamento divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento Conab no início de dezembro, estima que, a despeito do crescimento de 4,2% na área plantada, a produção na região Centro-Sul deve ser 10,6% menor do que na safra passada caindo para 501,4 milhões de toneladas. Somando a produção do Nordeste, que cresce 10,6%, para 70 milhões de toneladas, o Brasil deverá produzir 571,5 milhões de toneladas de cana na safra 2011/2012 que no final das contas representa uma quebra de 8,4%. Pelas projeções da Datagro, a região Centro-Sul fechará a safra com moagem de 490,38 milhões de toneladas, o que significa uma quebra de 14,4% em relação a safra passada. Com o incremento de 7,6% na oferta de cana no Norte e Nordeste, para 67,29 milhões de toneladas, a produção nacional alcança 557,67 milhões de toneladas o que, em relação a safra anterior, representa uma queda de 12,3%.

A quantidade por tonelada de matéria-prima alcançou 137,21 kg no Centro-Sul, e 136,58 kg de ATR por tonelada em todo o país. "É a primeira vez desde 2000/2001 que tivemos uma redução na oferta de ART, novamente por uma combinação de fatores econômicos e climáticos", afirma o consultor Plínio Nastari. A crise econômica mundial de 2008 deixou muitas empresas do setor descapitalizadas, o que se traduziu em redução de investimentos nos últimos três anos.

A idade média dos canaviais ficou em 3,6 anos na safra 2011/2012, segundo levantamento do CTC na safra passada, a idade média estava em 3,2 anos, reflexo de dois anos seguidos com índices de renovação da cana de 18 meses próximos de 8% quando a média histórica é de 14%. "Um ano de envelhecimento do canavial representa em torno de 10 toneladas a menos por hectare", explica o gerente de produtos do Centro de Tecnologia Canavieira, Luiz Antonio Dias Paes. Somado a isso, a safra foi afetada por problemas climáticos e pelo surgimento de novas pragas cada ponto percentual de índice de broca abaixa a produtividade entre 0,5 e 0,7 kg de açúcar por tonelada de cana, que se soma a contaminação na fermentação.

Na frenética expansão da cana-deaçúcar verificada antes da crise de 2008, muitos produtores esqueceram de se atentar às particularidades climáticas e de solo das novas fronteiras agrícolas e usaram a mesma variedade plantada na região de Ribeirão Preto/SP. O presidente da Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul, Ismael Perina, recorre a levantamento feito pelo Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas da Esalq, para mostrar a evolução nos custos de produção: na safra 2010/2011 a tonelada da cana foi comercializada a R$ 57,59. É a primeira vez que supera os valores da safra 2006/2007, quando estavam em R$ 51,39.

O custo da tonelada de cana, que na safra 2006/2007 era R$ 43,80, na safra 2010/2011 ficou em R$ 55,63. "É difícil para um setor continuar produzindo com eficiência quando vemos os preços para a cana de açúcar abaixo dos custos de produção por três anos consecutivos", explicou Perina, durante a 11ª Conferência Internacional realizada pela da Datagro.


Menor produtividade em 24 anos

Levantamento realizado pelo CTC aponta que a região Centro-Sul produziu 68,9 toneladas de cana por hectare na safra 2011/12 18% abaixo da média histórica, de 83,6 toneladas por hectare, e o menor índice dos últimos 24 anos. A menor disponibilidade de matéria-prima gerou menos açúcar e menos etanol. Segundo o acompanhamento da safra realizado pela Unica, até o final de novembro a produção de etanol atingiu 20,38 bilhões de litros nas unidades do Centro-Sul do Brasil quantidade 17,7% menor quando comparado com igual período da safra passada, abrindo espaço para a importação de 1,3 bilhão de litros. A produção acumulada de açúcar atingiu 30,99 milhões de toneladas queda de 6,19%.

A Datagro prevê que a produção deve fechar a safra nesse patamar no Brasil, a produção de açúcar ficará em 35,35 milhões de toneladas e de etanol em 22,5 bilhões de litros. "O mix de produção tende a ser cada vez mais açucareiro o que é compreensível por conta destes preços relativos", prevê Nastari. O consultor lembra que a disponibilidade do etanol anidro forçou uma queda no prêmio pago em relação ao hidratado o que pode forçar uma hidratação do anidro para atendimento da demanda da frota flex.

A diferença, que em média é de 15%, caiu para 8% valor bem próximo ao diferencial de produção no final da safra. Ainda sob muitas indefinições, as previsões para a safra 2012/2013 giram de 460 milhões a 540 milhões de toneladas de cana esse valor mais alto é projetado pela Copersucar, maior comercializadora de açúcar do país, com 5,24 milhões de toneladas negociadas.

Nastari, no entanto, aposta que a próxima safra será de transição, com pouca recuperação no volume de cana o consultor estima que as falhas de brotação nos canaviais devem ser recuperadas em 2 ou 3 anos, e que na safra 2012/2013 a oferta de cana deve ficar entre 460 milhões e 515 milhões de toneladas. "Com a chuva no Centro-Sul, foi retomado o plantio de cana de 12 meses. Só que essa cana vai ficar pronta no final da safra e só parte dela vai ser colhida".

O início da safra 2012/2013 também sofrerá atrasos, na avaliação da Datagro apenas as usinas que necessitarem de caixa anteciparão a moagem para os meses de março e abril, correndo o risco de moer cana que não completou seu ciclo de desenvolvimento fisiológico. "Agora que começou a aparecer a chuva no Centro-Sul, foi retomado o plantio de cana de 12 meses. Só que essa cana vai ficar pronta no final da safra. O grande volume provavelmente vai deixar para ser colhido em março e abril de 2013".

Sem cana, a capacidade ociosa atingirá 134 milhões de toneladas este ano a capacidade de moagem das usinas no Centro-Sul é de 620 milhões de toneladas, enquanto a região Nordeste está preparada para moer 72 milhões de toneladas. Apesar disso, a demanda continua em franca expansão: para o etanol 13% e para o açúcar 2,1% ao ano. Na análise da Datagro, as usinas deverão continuar investindo para aumentar a flexibilidade operacional, na eficiência energética e na redução de custos.

Mas nos próximos três anos a produção agrícola alcançará a capacidade industrial até lá, os investimentos em ampliação deverão estar planejados ou em execução. "O que está faltando talvez seja confiança e empreendedorismo, à luz das preocupações que o setor tem em relação à política de preços dos combustíveis e à nova regulação da ANP". A Unica prefere aguardar março do próximo ano quando as tendências climáticas estiverem mais claras para fazer previsões para a safra 2012/2013 embora aponte a recuperação das chuvas verificada entre outubro e novembro e o fenômeno La Niña ao longo do próximo ano, favorecendo o índice de radiação solar e menores precipitações durante o verão como pontos positivos.

Pelos cálculos da entidade, até 2020 o setor necessitará investir R$ 156 bilhões para erguer mais 120 usinas e ampliar para 1,2 bilhão de toneladas a capacidade de moagem a parte agrícola ficaria com R$ 46 bilhões e a área industrial com R$ 110 bilhões. "Hoje 25% da cana produzida no país é matéria-prima do etanol hidratado. Em 2020, será quase 40%", afirma o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues, acrescentando que a rentabilidade do setor foi sustentada pela venda de açúcar e de etanol anidro.

 

Mais usinas testam sorgo na entressafra
Pelo menos uma dezena de usinas já estão fazendo testes significativos com variedades de sorgo com áreas plantadas que variam de 300 a 500 hectares para validar a matéria-prima para produção de etanol e energia elétrica nos períodos de entressafra. "Se essas variedades de sorgo disponíveis no mercado já estivessem consolidadas, poderíamos plantar 50 mil ou 100 mil hectares para antecipar a safra em pelo menos um mês", conta o gerente geral da Ceres, William Burnquist.

A Ceres trabalha no Brasil com duas espécies: o sorgo energia, que concorre com o capim elefante para a queima em caldeiras, e o sorgo sacarino, que contém frutose e que o qualifica como uma matéria prima drop in para a produção de etanol por não exigir investimentos adicionais na colheita, transporte ou processamento. Burnquist ainda destaca o plantio, feito por sementes, como vantagem econômica em relação ao plantio de cana.

Com um rendimento industrial estimado em 1,2 mil litros de etanol por hectare, ou 50 toneladas por hectare, a vantagem do sorgo está no menor prazo entre o plantio e a colheita: em 120 dias a planta está pronta para ser colhida e processada. Essas duas etapas são muito parecidas com o processo realizado com a cana. A Usina Boa Vista repetirá nessa entressafra um teste em uma área de 500 hectares mesmo tamanho de área utilizada pela Usina Cruz Alta para avaliar a cultura. "A resposta não se dará no curto prazo: ainda há o desenvolvimento agronômico a ser feito, mas a idéia é aumentar o período de operação das usinas", explica o diretor de etanol da Petrobras Biocombustíveis, Ricardo Castello Branco.

Mas, por ser uma novidade, ainda são necessários ajustes tanto na área agrícola apenas os testes dirão qual variedade é ideal para a região onde está instalada a usina e no processo industrial. O presidente da Fermentec, Henrique Amorim, lembra que diferentes variedades apresentam uma enorme variação na composição química em diferentes localidades. "Temos que saber qual variedade vai ser plantada, fazer uma pré-análise para saber sua composição química e inserir as leveduras mais adaptadas".

Outro desafio é aumentar a produtividade e o grau brix que está entre 10 e 12, metade do que apresenta a cana-de-açúcar. "O sorgo entra em um nicho muito interessante, mas por enquanto ainda é uma promessa", resume o pesquisador do CTC, Luis Antonio Dias Paes.


Palha amplia capacidade de geração
Para o vice-presidente executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia, Carlos Roberto Silvestrin, essa longa entressafra não deve impactar no fornecimento de energia, pois as centrais de cogeração operam com a biomassa disponibilizada, que não é utilizada para a produção de energia de autoprodução durante a safra. "As usinas com cogeração possuem 'estoque regulador' de biomassa, para assegurar os compromissos contratados para ofertar bioeletricidade no mercado regulado e mercado livre". A Cogen não tem conhecimento de nenhum problema de abastecimento de bioeletricidade comercializada com uma safra mais curta mas confirma que muitas usinas já começaram a utilizar palha para a cogeração.

O negócio de bioenergia segue crescendo é mais um produto a gerar renda para a usina e se encaixa na proposta de manter a usina funcionando 360 dias por ano. Se uma usina não fornece a energia contratada, existem penalidades contratuais, mas existem também mecanismos de compensação que, se bem administrados, evitam multas se um cogerador tem compromisso de entregar 100 mil MWh/ano e ao final do ano ainda tem 10% não entregue, por exemplo, ele tem como alternativa adquirir energia de outro ou viabilizar entrega nos primeiros meses do ano seguinte, sem comprometer os compromissos do próximo ano.

Atualmente o Brasil produz 4.496 MW com os bagaço, mas a Empresa de Pesquisa Energética estima que esse potencial deve chegar a 9.163 MW até o fim desta década a Unica prevê que a produção possa chegar a 13.150 MW até 2020. Apenas a Raízen, maior produtora de energia elétrica a partir do bagaço, está se preparando para iniciar a cogeração a partir da palha, com a expectativa de ampliar a oferta de 900 megawatts para 1,3 mil MW na safra 2015/16.

O bagaço em geral tem 50% de umidade e o palhiço o conjunto de folhas, ponteiros e palha que estão presentes na cana de açúcar ainda no canavial tem entre 8% a 12% de umidade. A mistura bagaço-palha é importante para o processo de cogeração, pois quanto mais seca a biomassa melhor o rendimento daí a janela de oportunidade para o sorgo energético.
 
 
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