Edição 130 – 2011
Eficiência energética está no coração da Usina

Flávio Bosco

A energia elétrica produzida nas centrais de cogeração a partir da biomassa da cana de açúcar, destinada ao mercado consumidor está em momento de crescimento. Desde 2004 a capacidade instalada foi ampliada de 1.848 para 5.800 MW e as perspectivas para os próximos 10 anos são ainda maiores. "O programa em desenvolvimento estabelece a possibilidade de um incremento médio anual de 1.000 MW, adicionais até o horizonte de 2020, podendo atingir o patamar de 15.000 MW instalados", lembra Carlos R Silvestrin, Vice Presidente Executivo da Cogen - Associação da Indústria de Cogeração de Energia.

Segundo o DataCogen - um banco de dados desenvolvido e gerenciado pela Cogen contendo informações de todos os empreendimentos de cogeração em operação no Brasil - em 2009, 33 novas centrais de bioeletricidade iniciaram operação comercial, totalizando 955 MW; em 2010 mais 26 entraram em operação comercial, adicionando mais 1.073 MW. Dessas centrais, mais de 90% possuem cogeração de energia, proporcionando auto suficiência em seu processo industrial - as cogeradoras que possuem instalações mais eficientes com caldeiras de alta pressão também exportam energia ao sistema. O CTC – Centro de Tecnologia Canavieira realizou pesquisa para avaliar a eficiência elétrica das usinas brasileiras para produção exclusiva de açúcar e/ou etanol. Para isso, o professor Hélcio Martins Lamonica, especialista em tecnologia agroindustrial do CTC, organizou dois levantamentos energéticos: um para usinas típicas ou modificadas até 2001 e outro para usinas implantadas ou modificadas depois daquele ano.

O ano divisor do estudo, 2001, foi escolhido porque foi a partir dele que as usinas começaram a ter maior acesso ao mercado de eletricidade, investindo para gerar excedentes para a venda. A base de dados do CTC possui informações detalhadas de 108 usinas que processaram 233 toneladas de cana em 2009 – cerca de 40% da produção do país. O estudo considerou que as usinas são auto-suficientes na produção de calor e eletricidade utilizando somente bagaço de cana como combustível. Isso é possível quando o ciclo térmico utiliza vapor de 22 bar e temperatura de 300oC. Os levantamentos foram feitos tendo como base a moagem média de uma usina típica de cada período, mas são aplicáveis a usinas com outras capacidades de processamento. O estudo também considera que 100% das usinas no Brasil são autosuficientes pelo menos na geração de eletricidade.

"Em média precisamos de 32 kWh de eletricidade – para iluminação, motores, etc - para processar uma tonelada de cana. O estudo mostra (tabela) que uma usina que processe 2.000.000 de t de cana na safra demandaria uma potência da rede de 16 MW e teria um consumo durante a safra de 64.000 MWh/ safra. Resumindo: para o Brasil, considerando uma moagem de 560 milhões de toneladas de cana, se 20% das Usinas comprassem eletricidade da rede teríamos uma potência de 450 MW e um consumo de 1.800.000 MWh!", comenta Lamonica.

A eficiência total no estudo foi considerada como sendo a soma das eficiências elétrica e mecânica, ou seja, a eficiência eletromecânica. Issoé importante porque as análises mostraram que as potências dos acionamentos termomecânicos são importantes e geram um falso valor baixo para a eficiência elétrica. A pesquisa mostrou que a eficiência elétrica nas usinas do grupo 1 – usinas até 2001 - obtida foi de 2,5% e a eficiência eletromecânica foi de 5,8%. Para as usinas do segundo grupo, que estudava usinas construídas ou modificadas depois de 2001, a eficiência elétrica foi de 3,5% e a eletromecânica de 7%. Para os fabricantes de caldeiras, de 5% em diante de eficiência energética são suficientes para garantir retorno para a compra de caldeiras e equipamentos mais modernos.

Considerando que as caldeiras novas têm eficiência entre 80% e 87%, pode-se inferir que uma caldeira mais eficiente implica diretamente num menor consumo de combustível. Lamonica lembra que motores ou turbinas mais eficientes possibilitam produzir mais eletricidade por tonelada de cana processada – eles aumentam a eficiência elétrica da planta - mas não refletem no consumo de combustível diretamente.
Carlos Henrique Dalmazo, gestor de Engenharia da Equipalcool, lembra que se pode afirmar que a caldeira é o coração da usina e na Equipalcool se produz caldeiras aquatubulares - onde a água se transforma em vapor no interior de tubos e o fogo fica por fora - mais comuns em plantas termelétricas e geração de energia elétrica em geral, exceto em unidades de pequeno porte. "Lançamos o economizador com tubo aletado que aumenta a capacidade de troca térmica das caldeiras e temos trabalhado para desenvolver equipamentos que minimizem as paradas das caldeiras. Também estamos trabalhando no regenerador, que aumenta a eficiência da caldeira e, no distribuidor vortex que diminui as explosões das fornalhas".

A utilização de lavadores de gases ou outros equipamentos para controle de emissões pode influenciar no rendimento do conjunto porque esses equipamentos embora obrigatórios consomem energia. A caldeira utiliza aproximadamente 2% de energia para limpeza de gases pelo lavador ou equipamentos similares. "Equipamentos antipoluição geralmente não trazem ganhos energéticos- exceto os precipitadores eletrostáticos -, apenas ambientais, daí a dificuldade de se justificar sua utilização aos empresários, pois os benefícios são intangíveis", pontua Lamonica.

O setor sucroenergético vive um ciclo de reestruturação empresarial com o crescente interesse na realização de investimentos em projetos de cogeração de bioeletricidade, com a utilização de caldeiras de alta pressão - no passado eram utilizadas caldeiras de baixa eficiência que consumiam muito vapor, pois o bagaço era visto como um lixo a ser descartado; atualmente o bagaço é "uma matéria prima de valor", pois possibilita a produção de bioeletricidade para o consumo próprio e também para exportação ao sistema elétrico. Dessa forma as usinas passaram a buscar equipamentos mais eficientes, como caldeiras de 100 bar de pressão, até três vezes mais eficientes que as caldeiras de baixa pressão.

Os projetos de usinas novas que serão implementados já são dimensionados para utilizar caldeiras de alta pressão, e as usinas existentes que têm caldeira de baixa pressão deverão substituí-las por caldeiras mais eficientes. Assim, as usinas com potencial de desenvolver o retrofit, representam hoje uma reserva potencial de biomassa para oferta de bioeletricidade. E o estudo do CTC também pode servir de embasamento para a aquisição desses novos equipamentos. A Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo realizou, em 2009, um levantamento das características das caldeiras em operação no Estado de São Paulo:

O levantamento indica que há grande potencial de retrofit nas usinas antigas para incorporação de caldeiras mais eficientes e outras tecnologias e processos, com utilização ampla e racionalizada da reserva de bagaço disponível e da disponibilidade de palha/pontas, decorrente da eliminação do uso do fogo na colheita da cana. De acordo com os principais fabricantes de caldeiras, para a queima de biomassa da cana esses equipamentos podem operar com pressões variando de 67 até 120 bar, variando conforme a necessidade e a estratégia de cada empreendimento. A temperatura vai depender da pressão utilizada, podendo chegar até 540º C para as caldeiras de 120 bar, e operar com capacidade de até 400 toneladas de vapor por hora.

A Caldema, por exemplo, fabrica caldeiras que possuem características construtivas que permitem partidas e paradas rápidas, por não terem tubos mandrilados e, em decorrência disto, não há vazamentos ou desmandrilamento e não existem tensões entre a solda e o costado, que operam na mesma temperatura. Outro diferencial em suas caldeirasé o superaquecedor 100% drenável e a grelha pinhole refrigerada a água que permite a limpeza automatizada sem interrupção na alimentação de combustível de vapor, alem de propiciar baixa manutenção por não dispor de peças móveis. A Caldema já implementou duas caldeiras com 100 bar de pressão no grupo Zilor.

Outra fabricante de caldeira, a Brumazi, apresenta caldeiras com 90 bar de pressão, 530º C de temperatura e capacidade para produzir 300 toneladas de vapor por hora. Silvestrin lembra que as novas unidades de produção de açúcar e etanol também são projetadas para produzir e comercializar bioeletricidade. No passado o conceito era "bagaço que não sobre e não falte, na próxima safra teremos novamente". Para isso as caldeiras utilizadas eram as de baixa pressão, que consumiam 12,5 kg de vapor para produzir 1,0 kWh. Atualmente o conceito é "eficiência energética e sustentabilidade" com a utilização de caldeiras de alta pressão, que consomem 4,7 kg de vapor para produzir 1,0 kWh com a mesma quantidade de biomassa. Segundo dados da Cogen, nos próximos anos a perspectiva é de sejam implementados 10.000 MW de capacidade instalada de bioeletricidade no Brasil, com um incremento médio de 1.000 MW por ano. No Estado de São Paulo haverá cerca de 120 projetos de bioeletricidade gerando acima de 50 MW por central, para serem conectados até 2020.

A potência instalada comercializada será da ordem de 10.000 MW, correspondentes a 5.500 MW médios. A Unica tem afirmado que a bioeletricidade do setor tem, até 2019, potencialidade equivalente a três usinas Belo Monte, mas a irregularidade na contratação da energia já disponível desorganiza essa cadeia. Zilmar de Souza, especialista em Bioletricidade da Única, pontua que a contratação deve começar a ser feita por potencial da fonte ou mesmo que os leilões devam ser regionais e cita que, já em 2013, as projeções mostram que as sobras no NE serão equivalentes a 75% da folga total de energia do sistema.

"Além disso, as novas unidades não utilizam mais o fogo na colheita, e o mesmo está ocorrendo com as usinas existentes, que formalizaram o "Protocolo Agro-Ambiental" que estabelece o fim do uso do fogo na colheita até 2014. Com isso, todos os empreendimentos, inclusive aqueles que estão promovendo atualização tecnológica também estão sendo projetados para produzirem excedentes para comercialização nos ambientes de contratação (leilões) regulado e livre", pontua o vice presidente executivo da Cogen, que resume as vantagens e benefícios da bioeletricidade: Eficiência energética: permite obter ganhos de eficiência energética (energia elétrica e térmica produzida por unidade de combustível utilizado) muito superior à alternativa de produção separada de eletricidade e vapor e calor / frio. Isso representa um menor consumo de energia, com baixa emissão de CO2. Segurança operacional: possibilita ao usuário final de energia melhoria das condições de segurança e confiabilidade operacional além da autosuficiência energética, com menor vulnerabilidade aos riscos hidrológicos e regulatórios.

A bioeletricidade é complementar da hidroeletricidade, pois a sua produção coincide com o período seco, contribui para a minimização dos riscos no abastecimento de energia elétrica; Desenvolvimento econômico sustentável: a indústria da bioeletricidade é um importante fator de desenvolvimento econômico sustentável, adicionando maior competitividade aos produtores de tecnologia e à indústria da cana de açúcar; Renda e Meio Ambiente: a bioeletricidade proporciona ganhos sociais e ambientais, com a geração de postos de trabalho na indústria de equipamentos e no setor sucroenergético.

Além disso, a bioeletricidade produzida possui baixa emissão de gases de efeito estufa, o que representa menos complexidade para obtenção de licenciamento; Prazo para implantação: os projetos de cogeração com biomassa são implantados, em média, com prazos inferiores a 18 meses. Algumas usinas que já estão em operação comercial alcançam atualmente uma receita em torno de 10% a 15% na venda da bioeletricidade e assumem que, quando atingirem o máximo aproveitamento do bagaço e da palha para geração de bioeletricidade, esse percentual poderá representar até 30% da receita da usina.

E a utilização dessa energia representa economia de 4% dos reservatórios para cada mil MW médio de bioeletricidade no período seco, que vai de abril a novembro. "A bioeletricidade representa em torno de 5% da matriz elétrica brasileira, e a previsão em 2020é que represente 15%. Dessa forma, a energia a partir do bagaço da cana é uma energia renovável firme, injetada no sistema interligado nacional no período seco, de forma a contribuir com a complementaridade de outras fontes e que contribuirá para o desenvolvimento sustentável do país" finaliza Silvestrin.


 
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