Edição 129 – 2010
Agricultura é precisão
Estrutura de Trafego Controladopesquisado pelo CTBE para todo o
ciclo agrícola de cana

Flávio Bosco

Segundo o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol – CTBE, os processos anteriores à chegada da cana colhida na usina respondem por 70% dos custos de produção do etanol de cana-de-açúcar: buscar tecnologias que reduzam os custos nessa fase do ciclo é primordial. Monitorar todo avanço na agricultura de precisão é uma obrigação. Sem contar que a solução para o uso da tecnologia não é econômica nem atrativa. O objetivo do projeto da Embrapa sobre mecanização de baixo impacto, por exemplo, é igualar o custo de colher cana crua ou queimada, pois hoje é mais ba- rato colher a cana queimada, apesar de a lei pressionar pela colheita da cana crua. Mas as tecnologias terão de ser compatíveis com os custos e a sustenta- bilidade da produção.

Uma definição para Agricultura de Precisão – AP seria gerenciar sistemas de produção considerando que eles não são uniformes; tudo que vem depois disso é consequência. Academicamente a conceituação está perfeita, mas o mercado distorce um pouco esse conceito, reduzindo a agricultura de precisão ao uso do GPS e do piloto automático, ferramentas da AP, como que tomando o todo pela parte. Mas como a AP foi impulsionada pelo uso do GPS nos anos 90, é natural a confusão. "Nosso trabalho é desenvolver técnicas para que o agricultor otimize sua atividade, colocando apenas o que for necessário no local, na quantidade e momento certo", comenta o professor doutor José Paulo Molin, do Departamento de Engenharia de Biossiste- mas, Área de Mecânica e Máquinas Agrícolas da Esalq/USP. Ele concorda que o GPS deu uma ajuda enorme no onde, com a navegação no campo uma parte da AP que é mais fácil de entender quando se visualizam as plantações do alto, quase desenha- das: a barra de luz criada nos anos 90 para aviões e depois para veículos de solo foi um lançamento bem vindo, que logo teve seu uso disseminado; mas é só uma ferramenta da AP, uma evolução na máquina.

O professor Molin lembra que a Uni- versidade fez um levantamento há cerca de um ano onde se constatou que 40% das usinas do estado de São Paulo já absorveram essa tecnologia de navegação no campo com piloto automático. As diferenças de adoção da tecnologia en- tre os estados são naturais, por diversos fatores – capacidade de absorver tecnologia e preço são os principais entraves e o relevo pareceu não ser determinante. O treinamento para utilizar o piloto automático no campo não é difícil uns mais outros menos complexos e costuma vir no pacote da aquisição do equipamento. No geral, é a simples reprodução paralela de um percurso já criado. Um dos trabalhos coordenados pelo pro- fessor Molin analisou a precisão da navegação em campo, no mapea- mento da colheita e na aplicação de insumos utilizando a tecnologia de georreferência – e a grande contribuição para o usuário desse trabalho específico foi proporcionar uma forma de medir essa precisão para o usuário de GPS em movimento, já que as fornecedoras fazem amostragem apenas de GPS estático.

E, se a navegação em campo parece óbvia, esclarecimentos são ne- cessários quando se fala no uso do GPS para a aplicação de insumos e o mapeamento da colheita. Existe todo um procedimento anterior ao uso do GPS, pois se vai ao campo para uma amostragem georreferenciada e, de volta ao escritório, produz-se um mapa com as características e as necessidades de aplicação em cada parte da plantação – o onde e o quanto! É assim que se faz esse levantamento hoje, mas já existem trabalhos para medir isso em tempo real no campo, como o dirigido pelo professor Molin, para aplicação georreferenciada em tempo real de nitrogênio. "Colocamos um sensor na máquina que vai identificando em tempo real quanto nitrogênio a lavoura quer especificamente naquele local. E a mesma máquina faz a aplicação da dose exata. Em uma ou outra modalidade – tempo real ou via mapa – existe uma eletrônica embarcada no veículo que vai fazendo a aplicação do insumo necessário, seja ele defensivo ou fertilizante".

O grosso no Brasil é aplicação de calcário, gesso, fósforo e potássio e essa tecnologia é muito utilizada nas culturas de soja, milho, laranja, café e cana - todos ainda baseados na amostragem, feita por empresas especializadas; o sensor para aplicação em tempo real é uma novidade que a equipe do professor Molin deve disponibilizar em breve, depois do desenvolvimento e teste dos algoritmos específicos. Se a equipe se esforça para desenvolver toda a matemática e aplicação, os instrumentos (coletores de dados, sensores, detectores, etc) utilizados nas pesquisas são os de mercado. "Ainda buscamos en- tender como os sensores conversam com a cana", explica o professor Molin. Para a pesquisa, a equipe comprou um sensor americano e fez parceria com um sensor europeu – as pesquisas do grupo levam em consideração todas as tecnologias disponíveis, como por exemplo, na tecnologia de georrefenciamento – existe a americana, a europeia e a russa.

O sistema escolhido não importa; só aumenta as opções para o usuário que, em 2014, terá a tecnologia européia, a Constelação Galileo. A equipe do professor Molin já trabalha com as placas do Galileo e a russo e acredita que, para equipamentos de alta performance, ter mais de uma placa pode encarecer o instrumento mas para aqueles de uso mais comum, quando disponibilizados, o impacto no preço será bem menor. Mas não é algo que paralise o mercado; é relativa- mente simples usar uma placa ou outra. Já o mapeamento da colheita tem duas vertentes: o antes e o depois - e o ideal é que esse mapea- mento seja feito mesmo nesses dois momentos. O professor Molin lembra que o mapeamento é o diag- nóstico do todo o trabalho realizado, que diz o quê, onde e quanto se está colhendo. "Dá-nos a conhecer o onde e o porquê, nos dá as causas de estar mais ou menos produtivos.

Pode-se ver se as intervenções foram acertadas; é uma tomografia da colheita". Trabalho feito, a natureza pode intervir, como de fato aconteceu recentemente, com as chuvas alterando colheitas e paradas. Mas historicamente as perdas não superam os 20% se não houver catástrofe , e fazem parte do risco natural do negócio. Por isso a ciência que envolve a previsão do tempo está evoluindo também, e parte da iniciativa privada busca gerar seus próprios dados para agregá-los aos das instituições governamentais, com boletins diários de planejamento. E esse cenário se casa com outros como definição de zonas para cultivares, tipos de solo e alocação de genotipos, gerando a Agricultura de Precisão, que pode ser considerada uma evolução das pesquisas nomeadas "Ambientes de Produção", da Ambicana.

O foco maior da adoção de todas essas ferra- mentas está com certeza nos EUA, um país forte em transformar idéias em produtos. Já o perfil do agri- cultor europeu e o tamanho das propriedades por lá são fatores que dificultam a adoção de algumas ferramentas da AP – que mostram mais resultados em grandes propriedades – mas a Alemanha a uti- liza bastante. A Argentina utiliza mais ferramentas da AP e em maior quantidade que o Brasil. Aqui, de forma bem adaptada, a utilização dos conceitos da AP está crescendo em especial na área de grãos no RS, PR, MS e MT; na cana de açúcar em São Paulo e em grãos e cana em Minas Gerais e Goiás. Das ferramentas da AP , a que está demorando mais a deslanchar é o mapeamento da produtividade com o uso do georreferenciamento em campo. Para que isso aconteça, é necessário que existam colhedoras que incorporem a tecnologia e que as partes envolvi- das se empenhem para ter essa informação estratégica saber onde e quanto se acertou.

E, ao contrário do que se pode pensar, as gran- des empresas e as transnacionais do setor de ál- cool e açúcar são as que menos aderiram a essa primeira onda de tecnologia de georreferencia- mento, talvez dentro de um primeiro estágio de retorno sobre o investimento. Vale lembrar que a Agricultura de Precisão se encaixa mais que per- feitamente na filosofia de fazer mais com menos. Trabalho feito, ajuda do clima, as colhedoras podem operar o dia inteiro com precisão. A facili- dade aumenta se existe o alinhamento do plantio – projetado com desvios máximos de centímetros. Os pilotos automáticos guiados por GPS orientam o plantio e o trabalho de tratores com rotas pre- viamente definidas. Softwares de rastreamento e gerenciamento de rotas possibilitam a localização exata dos veículos através dos mapas georeferenciados.

Esse aparato todo possibilita, também, o controle do deslocamento entre a usina e as áreas agrícolas e ainda se os veículos estão se chegan- do à planta. Mas todo o aparato tecnológico envolvido desde o plantio até a colheita da cana precisa de uma boa cultivar. As novas variedades de cana são desenvol- vidas para serem mais resistentes a doenças e/ou insetos. A pergunta óbvia a seguir seria então, por que ainda se planta as cultivares não resistentes? As pesquisas com as novas variedades de cana não são efetuadas em todo o Brasil de forma homo- gênea, ou seja, uma determinada variedade pode ser resistente a pragas e doenças no Norte do país e não o ser no Sudeste em função de diferenças edafoclimáticas – condições de solo (edafo) e de clima juntas; onde se unem as características do solo (fertilidade, acidez, quantidade de nutrientes, tipo de solo) e do clima (frio, calor, chuvoso, seco, etc). Algumas cultivares não resistentes são mui- to produtivas e muitas vezes apresentam melhor qualidade industrial, coisas que os novos genotipos ainda não conseguiram provar.

E nem todas as variedades de cana geneticamente modifica- das estão no mercado – por exemplo, a cana re- sistente ao herbicida glyphosate está em fase de estudo. "Se tomarmos a soja RR como exemplo, a geneticamente modificada não produz menos que a convencional, ao contrário, em muitas situações produz até mais. Dá para dizer que as variedades transgênicas podem ser um pouco mais caras que as convencionais, pois toda a tecnologia nova precisa ser paga; ao mesmo tempo ela não é mais cara porque a plantação irá usar menos agrotóxi- cos para o combate de pragas e doenças, como ocorre com o milho Bt que usa menos inseticidas para o controle de lagarta do cartucho, por exemplo", comenta o engenheiro agrônomo Leandro Galon, Professor Adjunto I da Universidade Federal do Pampa, Campus de Itaqui-RS. O pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas – IAC, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Roberto da Cunha Mello lembra que, atualmente, o que se entende por "melhor prática" é o plantio direto. Mas cada caso deve ser estudado separadamen- te de acordo com suas particularidades como, por exemplo, se existia uma pastagem e vai se implantar um canavial neste caso deve-se utilizar o preparo convencional, com aração profunda e duas ou mais gradagens -, mas quando se está apenas reformando o canavial, o mais recomendado é plantar alguma leguminosa e depois entrar com o sulcador.

E o preparo não iguala os solos, apenas corrige deficiências, já que um solo roxo sempre vai ser roxo, e um arenoso, sempre arenoso. Solo preparado, são vários os fatores a se con- siderar na hora da escolha do cultivar – os principais são: tipo de solo, clima da região, técnicas de cultivo e a época que se pretende colher. "O recomendado é se utilizar mais de um cultivar até para que a colheita não se concentre na mesma época. Portanto deve-se utilizar uma variedade mais precoce e uma mais tardia. É importante também estar sempre atento aos novos lançamentos: todo ano são lançadas novidades com aumento de pro- dutividade e resistência a certas doenças ou defi- ciências nutricionais".

Os hormônios – ou bioestimulantes - normal- mente são aplicados para antecipar a época da colheita (maturadores) e segundo alguns estudos não afetam o solo, quando aplicados corretamen- te. O mesmo cuidado na aplicação deve ser dado a todo produto químico já que os defensivos po- dem intoxicar o solo e lençóis de água. "O que se pode fazer é usá-los na dosagem correta, com má- quinas bem calibradas e sem vazamentos e seguir orientação de agrônomos. Outra saída é o uso de controle biológico que em alguns casos tem dado excelentes resultados". A destruição da soqueira é feita na reforma do canavial, que acontece em um período de mais ou menos seis anos, principalmente quando vai se plantar outra variedade. No sistema de plantio direto, aplica-se um herbicida para evitar que a variedade antiga volte a rebrotar e competir com a nova, planta-se uma leguminosa até esperar pela época do novo plantio, e depois se entra com o sis- tema de plantio direto.

"O Brasil vem passando por uma transforma- ção no campo, a mecanização na colheita vem cada vez ganhando mais espaço e acredita-se que irá atingir algo em torno de 90% nos próximos anos - no Estado de São Paulo já alcançou 68% na última safra. Então, o preparo do solo, as técnicas de plantio e cultivo devem estar voltadas para a colheita mecanizada. Deve-se evitar deixar sulcos na hora do plantio, pois isto dificulta demais o cor- te de base da colhedora, e deve-se adotar o espaçamento correto de 1,5 m e ajustar a bitola das máquinas - e práticas como quebra lombo para ni- velar o terreno", afirma Roberto da Cunha Mello. O professor Galon lembra que tecnologia é im- portante mas o solo é a fonte de todo o nutrien- te e da vida para as plantas, ele comanda tudo e se faltar uma boa correção da fertilidade qual- quer variedade, seja ela transgênica ou conven- cional, será afetada.

Quando esse solo é pobre em microrganismos, os herbicidas, inseticidas ou fungicidas aplicados persistem por maior tempo e isso é ruim para a agricultura e para o meio am- biente. "Quando aplicamos herbicidas em plantas ela fica intoxicada. Nas plantas, muitos herbicidas que usamos para o controle de plantas daninhas provocam efeitos fitotóxicos diferenciados, alguns podem até mesmo matar as plantas, dependendo da dose, estado de aplicação, condições edafocli- máticas, dentre outros. Portanto ao usar qualquer herbicida é sempre necessário consultar um enge- nheiro agrônomo que tenha experiência na cultura específica". Os sintomas de intoxicação da planta são diversos clorose, negrose, albinismo, aroxeamento, despigmentação, morte meristemática, interrup- ção de crescimento. Para que a planta se recupere das injúrias, vai depender da variedade: algumas se recuperam em 30 dias, outras podem levar 60, algumas 90 dias.

Esse tempo, segundo o professor Galon, é intrínseco a cada variedade e herbicida aplicado – alguns apresentam efeitos prolonga- dos, outros não, em função das características físico-químicas. Outras características como condições edafoclimáticas, estágios de desenvolvimento da cana no momento de aplicação dos herbicidas também podem influenciar para um maior ou me- nor tempo de recuperação dos sintomas de into- xicação. Cada produto aplicado afetará mais ou menos uma determinada característica na planta – alguns herbicidas, por exemplo, destroem o sis- tema radicular das plantas, outros afetam mais a parte aérea e outros exigem determinado tempo para se entrar com o plantio da cultura, o chama- do carryover. Muitas vezes ocorrem os sintomas de intoxi- cação não perceptível, ou seja, não se enxergam danos sobre a folha, massa seca, raiz ou colmos, mas ocorre a queda da produtividade.

Como lem bra o professor Galon, as indústrias de defensivos agrícolas (ou agrotóxicos como está na legislação) buscam cada vez mais oferecer produtos com menor toxicidade ao homem e ao ambiente. "Elas estão diminuindo principalmente a dose usada por hectare. Antigamente se usava herbicidas na quantidade de seis litros por hectare; hoje temos alguns herbicidas usados em gramas por hectare. Isso é bom porque polui menos, mas favorece o surgimento de plantas daninhas resistentes". A solução seriam as técnicas antigas ou uma versão orgânica para o cultivo da cana? Não exatamente.

O Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol e a Embrapa têm um acordo de colaboração para o estudo de estraté- gias agrícolas capazes de elevar a produtividade e a sustentabilidade da cultura de cana utilizan- do a experiência de mais de três décadas da Embrapa em manejo agrícola na cultura de cereais, que dispensa o preparo do solo durante o plantio o chamado plantio direto, sistema que reduz custos, conserva os nutrientes do solo e utiliza a água de forma mais racional. Rotação de cultu- ras, adubo verde e aproveitamento da palha – ou dos restos das outras culturas - são algumas prá- ticas que ganham força nas plantações de cana. Mas, se a rotação de culturas eleva a produti- vidade dos canaviais, garante nitrogênio para a cana e controla algumas plantas daninhas e pragas, como os nematóides e as lagartas, fa- vorece o aparecimento da cigarrinha-da-raiz e de outras plantas.

Essa rotação pode alterar o perfil de plantas daninhas, pragas e mesmo ati- vidades econômicas se as culturas alternativas forem colhidas – há espécies (Crotalaria juncea, a Crotalaria spectabilis, o feijão-de-porco, por exemplo) utilizadas apenas para o controle do solo e "cobertura", em conjunto ou não com a vinhaça. Vale lembrar que as plantas cultivadas como adubo verde devem ser cortadas e deixa- das como cobertura morta quando ainda em flor, antes de possuírem sementes, pois, caso contrá- rio, podem se tornar invasoras. Essa adubação verde é fundamental para quem quer colocar seu produto em mercados com rígidas normas ambientais e a cobertura/palhada ajuda a dimi- nuir o pisoteamento proporcionado pela meca- nização do campo. Mas não resolve já que as bitolas das máquinas não são compatíveis com o espaçamento das entrelinhas, provocando da- nos no plantio e na colheita.


 
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