Edição 116 – 2008

Combustível para a consolidação

Iniciativa pública e privada ainda precisam desenvolver alguns mecanismos para cana sustentar posição na matriz energética e aumentar índice de participação
Produção de álcool: grande responsável pelo crescimento da cana na matriz energética

O ano de 2008 já pode ser considerado histórico para o setor sucroalcooleiro nacional. Pela primeira vez nos últimos 20 anos, o etanol ultrapassou o consumo de gasolina no Brasil. Anunciada em maio, outra façanha foi conquistada em 2007. Como ainda não havia acontecido na história, a cana-de-açúcar superou a energia hidráulica e se transformou na segunda fonte primária da matriz energética do país.
A participação dos produtos derivados da cana alcançou 16% na matriz energética brasileira em 2007 – o setor sucroacooleiro rebaixou a energia hidráulica, que atingiu 14,7%, para o terceiro lugar no ranking liderado pelo segmento de petróleo, com 36,7%.

Segundo o assessor da Unica, Onório Kitayama, é importante para o setor sucroalcooleiro ser a segunda fonte, significa que o segmento, em termos energético, cresceu de tamanho e importância para o país. “Além disso, é mais uma conscientização para a sociedade para a importância da energia renovável e limpa”.

Com grande predominância de derivados da cana e hidrelétricas, além da participação do carvão vegetal, 44% da matriz energética brasileira já é renovável, contra 15% médios no mundo. Se as previsões futuras forem confirmadas, a participação canavieira vai aumentar ainda mais o índice no Brasil.

O crescimento da cana-de-açúcar na matriz energética foi estimulado pelo elevado consumo de álcool no país, produção inflada pelos investimentos no aumento da produção canavieira no país. Apenas em 2007, a colheita cresceu 57 milhões de toneladas, quase o equivalente a uma safra do Nordeste, que colheu 62 mil ton no ano passado.

Com a cana adicional, a produção de álcool aumentou em 3,7 bilhões de litros no ano passado, média que deve se repetir – e até aumentar - ano a ano até atingir 65,3 bi de litros na safra 2020/21. “O crescimento da cana-de-açúcar como fonte primária de energia é uma tendência meio irreversível no país”, disse o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim.

Acima da gasolina

Estatísticas da Agência Nacional do Petróleo (ANP) referentes a abril confirmam que a demanda por álcool ultrapassou o consumo de gasolina entre os combustíveis automotivos no Brasil. No mês, o mercado brasileiro consumiu 1,052 bilhão de litros de álcool hidratado e 512 milhões de litros de álcool anidro ante demanda de 1,537 bilhão de litros de gasolina.

Nos quatro primeiros meses do ano, segundo a ANP, as vendas de álcool nos postos cresceram 32,5% contra incremento de apenas 1,9% da gasolina C. Até o final de 2008, serão produzidas de 26,45 bilhões de litros a 27,49 bilhões de litros, aumento de 14,97% a 19,46% sobre os volumes observados no ano passado – os dados são da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Levantamento da Unica prevê que a produção de etanol no Brasil chegue a 46,9 bilhões de litros em 2015/16 e 65,3 bilhões de litros até 2020/21 – quase o triplo previsto para este ano. “Chegou a hora e a vez do Brasil, na agricultura para alimentos e para agroenergia, apesar dos gargalos que ainda temos, como infra-estrutura e encarecimento de alguns insumos, como os fertilizantes químicos”, anima-se o presidente da Embrapa, Silvio Crestana.

Segundo Kitayama, a tendência é de que o setor se consolide na segunda posição. Mas, para atingir as produções previstas, precisa que os veículos flex-fuel se consolidem na liderança de vendas de carros novos – participação que já se aproxima de 90%.

Estimativas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) indicam que até o final do ano, 23,6 milhões de carros estarão circulando no Brasil – o tipo flex deve ter volume correspondente a 21% do total. Em 2015, a entidade prevê que a frota nacional alcance 31, 1 milhões de carros – cerca de 50% dos quais serão flex-fuel.

“Vamos supor que uma grande parte desses novos veículos vá consumir etanol em função do preço. O acréscimo de demanda de uma safra para outra será da ordem de 4 a 5 bilhões de litros. Isso é um crescimento significativo”, afirma o assessor da Unica”.

O setor projeta chegar em 2020 a 1 bilhão de toneladas de cana, o que corresponde a quase o dobro da produção atual. Além da produção de álcool, o aproveitamento da palha e do bagaço para geração de energia, impulsionariam o otimismo.

“Não sei dizer qual será a participação, mas bem maior do que é hoje. Se eu imaginar que as outras fontes de energia têm potencial de geração, mas tem série de dificuldades, a cana vai crescer muito mais”, acredita Kitayama.

Veículo bi-combustível – Em 2015, cerca de 50% da frota nacional deve ser formada por carros flex-fuel

Estratégias necessárias

Para garantir o consumo dos volumes previstos de etanol, o pesquisador Marcos Fava Neves frisa a importância de consolidação de algumas ações. Intitulada “agenda 10 do álcool”, a proposta é composta por pontos a serem trabalhados por governo, organizações e setor privado.

Os pontos principais sugerem que governos federais e estaduais atualizem questões tributárias e de regulamentação. Para o pesquisador, é imprescindível que o álcool tenha a alíquota de ICMS reduzida para 12% em todos os estados e ligeira redução de outros impostos federais.

“Pode-se também estudar se a faixa de adição do anidro na gasolina poderia ser ampliada, dos atuais 20 a 25%, para 18 a 28%. Muitas pessoas com carros a gasolina já fazem esta adição maior por conta própria. Assim, em casos de grande produção, o uso de 28% poderia ajudar no consumo, e vice-versa”, descreve.

Neves também sugere que, a partir de 1 de janeiro de 2010, apenas automóveis novos “flex fuel” tenham autorização para emplacamento. “Estima-se que grande quantidade de veículos baratos entrará no Brasil, vindos da China e Índia, e não se pode correr o risco que venham à gasolina. Até 2010, as montadoras teriam tempo suficiente para fazer esta simples adaptação, e desovar estoques atuais”, justifica.

Para o pesquisador, também beneficiaria o setor a autorização para as usinas venderem álcool diretamente para os postos de gasolina, sem a intermediação das distribuidoras. Segundo ele, esta liberalização contribuiria para um mercado mais competitivo.

Outra idéia é o desenvolvimento de motores grandes, hoje abastecidos com diesel, para uso do álcool, o que incluiria modelos usados por caminhões, tratores e ônibus.

O pesquisador também considera interessante a hipótese de as usinas investirem em canais de distribuição. “Poderiam montar joint-ventures e entrar no mercado de distribuição de álcool, com uma gestão independente, comprando distribuidoras hoje existentes ou montando novas, autorizadas a funcionar pelo governo”, explica.

A última sugestão é a criação de um plano permanente de comunicação integrada. “O marketing precisa ser trabalhado pela cadeia produtiva da cana, usando idéias criativas para que a sociedade brasileira de valor a este produto, reduzindo as resistências”.

Energia cogerada pede incentivos para aumentar participação

Para crescer quase 60 milhões de toneladas de cana somente no ano passado, o setor sucroalcooleiro colocou em operação novas usinas, que para serem movimentadas cresceram a geração de energia no processo de fabricação de açúcar e álcool. Além disso, o setor vem aumentando gradativamente aproveitamento da biomassa para comercializar insumos excedentes.

Com menor importância em relação ao álcool, a energia cogerada também ajudou a cana a subir uma posição no ranking da matriz energética – mas a participação é muito pequena. Os volumes gerados e comercializados pelas térmicas de biomassa representam apenas 3% do total nacional.

As usinas comercializaram no ano passado apenas uma parte do volume gerado 600 MW e consumiram cerca de 2000 MW. Segundo estudos da empresa GAtec Gestão Agroindustrial, se todo o bagaço resultante da safra 2007/08, que processou 493 milhões de toneladas de cana, fosse utilizado para a produção de energia elétrica, somente em termos de excedente, o setor teria geração de aproximadamente 8620 MW - volume equivalente à produção das usinas de Itaipu e Itumbiara (GO).

De acordo com projeções da Unica, a agroindústria canavieira nacional já negociou em 2008 2.245 MW – 1.500 MW serão entregues ainda na safra atual. Mas o potencial será ainda maior nos próximos anos. Segundo cálculos da entidade, se o setor chegar a 1 bilhão de toneladas em 2020, como está previsto, e aproveitar 50% da palha e 75% do bagaço para gerar energia excedente, teria potencial de geração de 28 mil MW – o que representaria duas usinas de Itaipu.

De acordo com os especialistas, embora o carro chefe do aumento de participação na matriz energética seja o álcool, a expansão da geração de energia elétrica crescerá concomitantemente à produção de cana. Com isso, também terá maior importância. “Mas isso depende de medidas que o governo possa tomar”, ressalta o assessor da Unica, Onório Kitayama.

Para o diretor de energia da Crystalsev, Celso Zanatto, o setor entende seja necessário um programa de fomento do imenso potencial de co-geração. “A bioeletricidade possui características especificas e diferentes dos projetos hídricos, sendo assim, necessita de regulamentação especifica”.

A principal fonte de reivindicação é incentivos nos preços ofertados pela energia cogerada. O setor considera que as usinas precisam de remuneração adequada para promover investimentos na modernização ou compra de sistemas de geração.

Divulgação/Caldema

Montagem de nova Central Energética: altos investimentos

Incentivos reivindicados

A reclamação por estímulo incide sobretudo nos preços oferecidos nos leilões promovidos pelo governo, meio de negócio considerado interessante. “Ou você entra no leilão ou vende no mercado livre. O leilão é um meio que dá mais estabilidade para fazer financiamentos. Tem que ter um contrato de longo prazo. O que só pode acontecer via leilão”, diz o empresário Maurílio Biagi Filho, presidente dos Grupos Maubisa e Moema.

Mas o primeiro leilão de energia de reserva do ano, programado para 30 de julho, não deve atender a essas expectativas – embora o número de inscrições de usinas tenha surpreendido até mesmo a Unica. Exclusivo para usinas que geram energia elétrica térmica a partir de biomassa (bagaço e palha de cana-de açúcar e resíduos vegetais), o pregão conta com 118 participantes.

O governo cadastrou oferta de 6.711 MW para o produto com início de entrega em 2010, 1.869 MW para a energia que será fornecida a partir de 2009. Como 21 dos 118 empreendimentos se inscreveram para as duas rodadas, a efetiva oferta para o Leilão é de 7.811 MW.

Mas Kitayama não acredita que 100% do volume ofertado sejam negociados.O setor sucroalcooleiro reprovou a formatação de valores, que prevê fixação do preço teto de acordo com o tamanho da oferta - a fórmula não seria interessante para as usinas que precisam investir para modernizar seus parques. “Algumas usinas vão retirar oferta se considerarem que preço teto não é atrativo para o seu negócio”.

Segundo Biagi Filho, para ser remunerador às usinas que estão reformulando suas plantas, o preço mínimo deveria ser de R$ 180 por MW - e de R$ 170/MW para os empreendimentos que estão sendo construídos. “Mas isso é teórico, na prática não vai existir”, resigna-se.

A expectativa é de que o governo tente procurar obter um melhor preço para o consumidor e estimule uma concorrência entre as usinas no leilão, o que pode afastar as ofertas. “É uma decisão de cada usina, mas eu diria que hoje se o preço tiver muito abaixo do esperado, a maioria deverá declinar de participar do leilão”, aposta Biagi. Isso já aconteceu nos últimos leilões. Apenas cinco projetos, dos 62 cadastrados, foram contratados.

Como a maioria das usinas brasileiras usa equipamentos suficientes apenas para a geração da energia auto-consumida, valores mais altos são requisitados para viabilizar a modernização, o que muitas vezes envolve troca de caldeiras, moendas e centrais elétricas inteiras.

O principal investimento, uma caldeira de alta pressão, pode chegar a R$ 50 milhões. As máquinas atuais, de 21 kgf/cm², não apresentam potencial para geração em larga escala, porque produz menos energia com o mesmo volume de bagaço queimado na combustão em comparação a modelos de 42 kgf/cm², 65 kgf/cm² e 94 kgf/cm².

“A caldeira de baixa pressão consome mais bagaço por Kg de vapor gerado do que uma caldeira de alta pressão. Quanto mais alta a pressão e temperatura, mais eficiente será a geração de energia e teremos maior rendimento  na turbina, ou seja, vai gerar mais energia com a mesma quantidade de bagaço”, explica o gerente de marketing da Caldema, Alexandre Martinelli.

Conexão

Outro aspecto que precisava de definição, a responsabilidade pela conexão para a distribuição da energia gerada em locais com dificuldade de infra-estrutura, foi regulamentado recentemente pelo governo, que vai criar estações coletoras. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deve fazer uma chamada pública para cadastrar as usinas interessadas em contratar o serviço destas estações coletoras. Posteriormente, as novas linhas serão leiloadas.

Para Biagi Filho, o governo deveria priorizar a energia da biomassa para afastar o risco de apagão cogitado no ano passado com a queda do nível dos reservatórios das hidrelétricas. “O governo, o Brasil e a sociedade brasileira, mais do que nunca, estão precisando da energia cogerada para manter o atual nível de crescimento”, disse.

Uma vantagem da biomassa é o custo menor do investimento. As usinas apresentam um custo que varia entre US$ 600 e US$ 1.200 por quilowatt, dependendo da potência das turbinas, segundo cálculos da GAtec. A usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, que terá 3.150,4 MW de capacidade instalada e será inaugurada em dezembro de 2012, vai custar R$ 9,5 bilhões.

“Uma usina de cogeração, para a mesma capacidade instalada, necessitaria de um investimento de cerca de 40% desse valor”, afirma pesquisadora da GAtec Luciana Coicev, doutora em agronomia pela UNESP Jaboticabal. “O próprio governo já considera o bagaço de cana-de-açúcar como o combustível alternativo mais promissor. Resta agora traduzir essa constatação em investimentos concretos”, completa.


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