Edição 115 – 2008

Armazenando qualidade

Etapas de secagem e estocagem devem ser conduzidas com rigor para manter características obtidas pelo açúcar na fase de fabricação
Divulgação/São Martinho
Fábrica de açúcar: usinas hoje são indústrias de alimentos

Não se produz mais açúcar como antigamente. O aumento das exigências dos clientes nacionais e externos provocou a necessidade de grandes mudanças na fabricação nos últimos 10 anos. Hoje a preocupação com a qualidade não termina quando o produto está acabado. É preciso investir em recursos industriais para a manutenção do padrão nas etapas posteriores, como secagem e armazenamento.

As exigências se intensificaram na última década devido ao aumento da participação brasileira no mercado internacional e à necessidade de adequação das usinas ao desenvolvimento dos programas de qualidade nas indústrias de alimentos e bebidas.

Até o início da década de 90, as especificações de qualidade eram definidas pelo extinto Instituto de Açúcar e Álcool (IAA), ou seja, o Governo. Hoje quem faz essa determinação são os compradores. “Com isso, o rigor em relação à qualidade é bem maior”, frisa o pesquisador Cláudio Hartkopf Lopes, da Universidade Federal de São Carlos.

Antes produzidos para refinarias ou exportação sem grandes exigências de qualidade, o açúcar é fabricado atualmente com especificações pré-determinadas para cada aplicação: doce, refrigerante ou consumo humano, por exemplo.

Essa é uma tendência mundial: as empresas exigem um insumo que atenda as suas exigências por qualidade. Muitos clientes chegam a inspecionar a fábrica antes de comprar o açúcar. “Por isso, as usinas têm que ter mais cuidado com limpeza, maior controle automático, menos pessoas na fábrica e profissionais bem treinados”, aponta Lopes.

A adaptação a essas exigências demanda alterações estruturais no processo, como a troca de equipamentos antes confeccionados a base de aço-carbono por linhas e equipamentos de aço inox, até controles automáticos totais da cadeia partindo da matéria-prima até o final do processo na estocagem do produto.

Cada etapa de fabricação teve sua importância aumentada. “Considera-se que a partir da cristalização o processo se torna mais crítico e sua proteção deve ser intensificada”, afirma o diretor comercial do Grupo Crystalsev, Adilson Bernussi. A empresa produz aproximadamente 2,5 milhões de toneladas de açúcar por safra e 40% desse volume ficam no mercado interno.

Os processos de secagem e armazenagem se tornaram etapas fundamentais. Segundo Bernussi, o produto produzido dentro dos melhores padrões só estará garantido se estas duas etapas complementares seguirem os mesmos critérios adotados anteriormente. “Problemas oriundos do descuido destas fases podem gerar o empedramento, por exemplo, que é o principal problema de uma secagem descontrolada ou do descuido no armazenamento”.

Divulgação/Santelisa Vale

Laboratório mede a qualidade do açúcar: produto tem que atender às expectativas do cliente

Secagem

Depois de sair da centrífuga, o açúcar é resfriado e peneirado. Embora a qualidade do produto não seja estabelecida nesta etapa, o processo deve manter uma série de cuidados para conservar as características obtidas nas fases anteriores.

Realizada simultaneamente ao resfriamento, a operação de secagem tem o objetivo de reduzir a umidade do açúcar a níveis que permitam sua armazenagem por períodos mais ou menos longos, com condições de preservação da qualidade para consumo como produto alimentício.

Um dos cuidados deve ser com o secador. Se mal operado ou sub-dimensionado, o equipamento tende a piorar a qualidade do açúcar, além de provocar a degradação do produto no período de armazenagem – as principais conseqüências são empedramento e o aumento de cor.

Para evitar esse tipo de problema, o secador tem que estar bem dimensionado e ser operado de acordo com as aplicações para as quais foi projetado. Algumas usinas excedem a capacidade dos equipamentos quando aumentam produção, porque o custo para compra de um novo é alto.

O engenheiro Helgo Ackermann, diretor da Iprosucar Consultoria, descreve que é possível adequar um secador existente a uma capacidade aumentada, em, no máximo, 30%, pela alteração de alguns parâmetros de processo, desde que observados os limites operacionais. A partir desse índice, segundo os especialistas, a economia é falsa e dá início a prejuízos. “Se o secador estiver mal dimensionado, ele pode danificar os cristais do açúcar. Tem consumidor que não aceita o produto dessa maneira”, aponta Lopes.

Divulgação/Santelisa Vale

Produção de açúcar: insumo é fabricado com especificações pré-determinadas para cada aplicação

Armazenamento

Mesmo que corretamente realizada, a secagem ainda não representa o fim do cuidado com a qualidade do açúcar. Durante o período de estocagem ou de manipulação, o açúcar pode sofrer grandes transformações em suas características físicas e químicas. “Além de empedrar, o açúcar pode amarelar, quebrar, incorporar material estranho. A principal perda de qualidade será na cor’, define o pesquisador Cláudio Lopes.

Segundo o pesquisador, todo açúcar, mesmo aqueles produzidos com a melhor qualidade, sofre um acréscimo de cor ao longo da armazenagem. Essa elevação da coloração passa a se tornar um problema quando ocorre em grande intensidade num curto espaço de tempo.

“Assim, para um açúcar ter sua cor elevada de 120 para 130 UI no espaço de tempo de seis meses é perfeitamente aceitável, mas a elevação de 120 para 180 UI (acréscimo de 50%) no mesmo período configuraria um problema”.

Os causadores tanto da cor do açúcar, como de seu escurecimento durante a armazenagem, são impurezas coloridas ou compostas, denominados precursores que podem reagir quimicamente resultando em compostos coloridos.

Para evitar o problema, o processo é complexo e a preocupação deve começar na escolha da variedade da cana . Os compostos que geram a cor do açúcar ou que são potencialmente geradores de cor são, em sua maioria, originários da cana-de-açúcar, sendo os principais os polifenóis e os aminoácidos, cuja eliminação no tratamento do caldo é apenas parcial.

Os polifenóis são compostos presentes no colmo da cana. A presença de aminoácidos influencia tanto na geração de cor como de um escurecimento do açúcar durante a sua armazenagem.

Mas, as causas das principais transformações que o açúcar pode sofrer durante a armazenagem são as de natureza puramente físicas, que podem resultar no seu empedramento, e de caráter químico, características causadoras de escurecimento.

Segundo Lopes, as principais mudanças físicas que o açúcar pode ter na armazenagem estão relacionados à higroscopicidade, que é a propriedade de interagir hidricamente com a atmosfera que o envolve, perdendo e ganhando umidade.

Já o escurecimento ocorre porque os compostos precursores de cor que participam da composição do açúcar reagem quimicamente. Mas a mera presença dos reagentes (polifenóis ou aminoácidos) não significa necessariamente que o produto sofrerá um aumento significativo em sua cor ao longo de semanas ou meses de armazenagem.

Para que o escurecimento ocorra é necessário que existam condições favoráveis às reações. “É necessária além da presença dos reagentes, a participação de um solvente (água) que é o meio onde as reações químicas podem ocorrer”, explica Lopes.

O controle da temperatura é também preponderante porque influencia algumas reações de escurecimento. Para que a armazenagem possa ser realmente segura, os especialistas recomendam temperatura inferior a 35oC . “Açúcar armazenado quente significa uma grande probabilidade de ocorrer uma elevação de sua cor”, garante Lopes.

Também deve-se ter cuidado com a umidade, considerada um fator prejudicial à armazenagem do açúcar - além de tornar o produto susceptível a empedrar, ela serve de meio para que ocorram reações de escurecimento. “A exposição do açúcar a uma atmosfera acima de 50 % pode resultar na absorção de umidade pelo produto, sendo que esta água poderá atuar como meio onde as reações de escurecimento podem ocorrer”, esclarece o pesquisador.

Por isso, o armazém de açúcar deve apresentar condições também de hermeticidade para que as oscilações da umidade relativa e temperatura da atmosfera não afetem o produto armazenado.

Lopes recomenda que o prédio não tenha luz natural e seja hermético. As pilhas devem respeitar altura do local para não causar problema de compactação. “Em geral, no armazenamento devem ser considerados cuidados na adequação estrutural como pisos, pé-direito e telhado na instalação, cuidados no manejo interno, inibindo a presença de vetores e protegendo as embalagens, mantendo-as limpas”, completa Bernussi.

Divulgação/São Martinho

Cuidado na estocagem: o açúcar pode sofrer grandes transformações em suas características físicas e químicas nesta fase

LEIA A MATÉRIA NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO IMPRESSA

Desejando saber mais sobre a matéria: redacao@editoravalete.com.br
NA EDIÇÃO IMPRESSA

Acontece nas Usinas
Plantio mecanizado cresce em novas usinas

Empresas
Praj e Jaraguá investem R$ 9 milhões para o mercado de bioenergia

Atualidades
Produto agrícola ou biocombustível -
Fabricantes de equipamentos vendem mais, mas lucram menos
Retrospectiva
Feicana e setor sucroalcooleiro crescem juntas na região Oeste Paulista
 

z