Edição 115 – 2008

Guerra por competências

Carência de mão-de-obra qualificada provoca movimento de disputa por profissionais no mercado com salários até 30% mais altos
Divulgação/Sabarálcool
Soldador de usina: departamento industrial tem carência em todas as áreas

Docente do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o professor Octávio Valsechi vive um problema inusitado em um país onde 14,5% da população economicamente ativa estão desempregados. A pedido de um grupo sucroalcooleiro com unidades no Mato Grosso e Goiás, precisa preencher uma vaga de diretor industrial de três novas usinas. O salário oferecido é de cerca de R$ 25 mil mensais. “Não consigo encontrar candidatos. Há poucos profissionais no mercado. E os que existem hoje já estão alocados”.

A situação é reflexo do atual contexto do setor sucroalcooleiro nacional, que até 2010 terá absorvido pelo menos 100 novas usinas. Além disso, as unidades existentes também apresentam projetos de expansão. Desde 2005, o segmento investe US$ 6 bilhões por ano e registra acréscimo de produção de 60 milhões de toneladas de cana por safra.

O crescimento vertiginoso começou a esbarrar em um obstáculo impensado: a falta de profissionais qualificados. “A única mão de obra que vai acabar no setor é de cortador de cana. Em compensação, operadores de máquinas agrícolas e todas as funções da área industrial vão deslanchar cada vez mais”, aponta Valsechi.

O retrospecto de duas cidades canavieiras do interior paulista - Sertãozinho e Araçatuba – confirma a expectativa. 

Em São Paulo, a indústria fechou 2007 com alta de 5,01% na geração de empregos, o que corresponde à criação de 104 mil postos . Para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) o setor sucroalcooleiro é um dos responsáveis pelo aumento: respondeu por 20% das vagas criadas no ano.

Sertãozinho teve saldo de 5.312 contratações em 2007 – foi a 49ª cidade brasileira que mais empregou. Com um aumento de 16,08% em relação a 2006, a cidade teve índice superior à média do Brasil (5,85%) e do Estado de São Paulo (6,77%). Outro pólo canavieiro, Araçatuba também saldo positivo entre contratações e demissões em 2007: 1.433 novos postos de trabalho – ambas tiveram problemas para encontrar profissionais capacitados.

A oferta de mão-de-obra especializada não atende a demanda das usinas, principalmente nas funções mais básicas. Na área industrial, há falta de caldeireiros, soldadores, eletricistas, torneiros mecânicos, operadores de caldeira e moenda, caldeireiros, lubrificadores e técnicos de laboratório. Ainda é preciso funcionários para áreas de fermentação, destilaria, tratamento de caldo, cozimento de açúcar, evaporação.

Já a área agrícola se ressente de operadores de colhedoras, motoristas de treminhão e tratores, mecânicos de máquinas, entre outros. “As principais carências são verificadas em regiões do Brasil onde o cultivo da cana-de-açúcar é novo”, aponta o executivo Fernando Ribeiro, responsável pelas relações institucionais da ETH Bioenergia, do Grupo Odebrecht.

Além disso, faltam coordenadores, supervisores, gerentes e diretores. Assim como Valsechi, há headhunters no mercado com dificuldade para encontrar profissionais com salários que variam entre R$ 12 mil e R$ 20 mil. “Esse é outro grande problema. Hoje o mercado para executivo está muito aquecido”, aponta o gerente de Recursos Humanos da Destilaria Nova União, Mauricio Trindade de Souza.

Leilão de salários

Com a dificuldade, a saída encontrada pelo setor é formar profissionais. Mas o processo demanda um determinado tempo. A necessidade urgente tem provocado um movimento de disputa pelos profissionais já empregados no próprio mercado – o que às vezes é feito a peso de ouro.

Segundo o diretor do Grupo de Estudos em Recursos Humanos na Agroindústria (Gerhai) José Darciso Rui, para atrair o funcionário de outras usinas, algumas empresas oferecem salários maiores. O aumento pode variar, mas nenhum empregado muda de empresa por menos de 20% ou 30% a mais. O mercado com isso certamente irá ser inflacionado”, garante.

De acordo com Valsechi, existem headhunters infiltrados em cursos de pós gradução, MBA e MTA para observar alunos e tentar atraí-los com propostas melhores. A situação já preocupa o setor. “Precisamos encontrar uma saída. O receio é estarmos criando um problema futuro, pois em algum momento essa demanda para executivo tende a se estabilizar, e o que fazer com os altos salários oferecidos?”, questiona Trindade.

Segundo os especialistas, a necessidade que cria este tipo de situação vai aumentar nos próximos anos. Estimativas apontam que cerca de 170 mil empregos serão gerados na indústria canavieira nos próximos dez anos. Para manter o aquecimento do setor, a mão-de-obra é considerada fundamental. “Competitividade é a palavra chave para manter o setor no topo, o que envolve também mão-de-obra”, afirma o presidente da Canaoeste, Manoel Ortolan.

Será um enorme esforço de RH, porque nos próximos anos, as empresas que não contratarem e mantiverem executivos qualificados terão dificuldades para se manter no mercado.

De acordo com o diretor industrial do Grupo Balbo, Jairo Balbo, a produtividade do setor poderá cair caso o problema não seja resolvido. “Uma indústria é algo muito frio. Hoje temos que investir em cursos para termos profissionais que mantenham a produtividade no nível setor atingiu hoje. Caso contrário, haverá uma tendência muito forte de queda de produtividade devido a baixa qualidade da mão-de-obra”, alerta.

Para Rui, a situação vai ficar mais difícil para as empresas que não fizerem planejamento de desenvolvimento interno com plano de carreira para seus empregados. Segundo ele, o novo ambiente competitivo e globalizado exige administração do capital intelectual.

Divulgação/Nova América

Treinamento: reter talentos e competências é importante para não perder profissionais para a concorrência

Como atrair e reter funcionários

Neste novo contexto, o desafio dos departamentos de RH das usinas é, além de atrair funcionários, reter seus talentos e competências para não perder seus melhores profissionais.

Para Trindade, a tarefa é árdua. “Estamos passando por um momento muito difícil, quando se trata em atrair e reter talentos, porque os valores estão mudando muito rápido: o que era atraente até pouco tempo atrás, já não é mais”.

Segundo os especialistas, estrategicamente, o primeiro passo é a criação de uma política de atração e retenção de talentos. O conceito, porém, ainda não é muito conhecido pelo setor sucroalcooleiro, como reconhece Trindade. “Em um passado bem próximo, bastava à empresa ‘pagar tudo direitinho’ para ser considerada atraente”.

Rui explica que os programas de retenção focam políticas de desenvolvimento de pessoas, remuneração e motivação dos profissionais. Para isso, é preciso fazer uma equalização dos cargos dos empregados, seguida de parametrização das funções, atribuição de responsabilidades e competências e oferecimento de treinamentos. “Isso tudo é necessário para formar bem um universo evolutivo de uma carreira dentro de uma empresa”.

Motivar as realizações dos colaboradores também é estratégia fundamental. Sendo assim, o papel da empresa é criar condições para que as realizações aconteçam, o que não é tão simples, pois depende de várias ações – como oferecer condições melhores para seus empregados, criando padrões e procedimentos.

É o que tem feito o Grupo Balbo. “Temos uma política de remunerar o funcionário de forma que ele receba por aquilo que ele leva para a empresa, com condições de trabalho adequadas para ele se desenvolver profissionalmente”, afirma o diretor industrial.

Mas ainda existe no setor muitas empresas resistentes a formatar esse tipo de gestão, afirma Rui. São empresas que encaram este tipo de política como custo – não investimento. “Quem implanta ganha dinheiro com isso: tem empregado mais motivado, mais produtivo, que oferece rentabilidade maior. Quem não implantar políticas de RH, vai perder espaço no mercado”, alerta.

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