Edição 113 – 2008

Jeito ético de fazer negócio

Divulgação/Copersucar
Exportação de açúcar: relação comercial do setor sucroalcooleiro com mercado internacional demanda alto grau de profissionalização

Sob o risco de perderem espaço no mercado mundial de açúcar e etanol, usinas precisam aliar a gestão empresarial de custos e menores preços ao desenvolvimento social e à preservação do meio ambiente para manter a maior competitividade do mundo

Para negociar açúcar a um dos seus principais clientes no mercado interno, a Usina São Manoel recebe a cada dois anos uma equipe da multinacional Coca-Cola para uma minuciosa auditoria na empresa. A unidade, que fabrica 180 mil toneladas do produto anualmente, passa por inspeção desde a parte administrativa até a planta industrial.

Além de priorizar a qualidade do produto, a Coca-Cola descarta fornecedores alheios aos seus princípios éticos, contexto que abrange vários critérios. Nas auditorias impostas à Usina São Manoel, a empresa analisa documentos que comprovem se a legislação brasileira é cumprida adequadamente – avalia a correção no recolhimento e repasse de recursos como o INSS e o FGTS.

A multinacional inspeciona as condições de trabalho e saúde dos funcionários e analisa possíveis excedentes de horas extras dos colaboradores de todos os departamentos da usina. Ainda faz parte do check-list a gestão de pessoas: a empresa observa se os profissionais da área de fabricação de açúcar são preparados e recebem treinamentos regularmente.

A usina também precisa demonstrar como usa e trata a água dos seus processos e quais projetos sociais e ambientais desenvolve para o seu público interno e a sociedade.

Como, via Copersucar, exporta grande parte da sua produção de açúcar e planeja negociar a clientes do exterior grandes volumes de álcool nos próximos anos, a Usina São Manoel, prevê que as auditorias tendem a aumentar – e as exigências também.

Segundo o gerente administrativo da empresa, Sílvio Nicoletti, a nova perspectiva de relação comercial do setor sucroalcooleiro com mercado internacional demanda um grau de profissionalização maior em relação ao nível tradicional estabelecido no Brasil. “Além de custo e qualidade do produto, o negócio passa a depender de comportamento sócio-ambiental. As exigências serão profundas. Isso será diferencial de comercialização, principalmente no contexto do mercado internacional”.

Haverá pouco tempo para adaptação às regras do novo ambiente global. Não incomodado pelo mercado interno, o setor sucroalcoleiro nacional começou a sentir a necessidade de uma postura ética há poucos anos, quando passou a ser reconhecido mundialmente como uma fonte de energia barata e, principalmente, renovável.

Mas, além de alavancar a expansão econômica e territorial da agroindústria canavieira no Brasil, o interesse dos investidores internacionais reforça a importância da ética na administração das empresas. As ações tomadas internamente deixaram de ser uma questão doméstica ou só um assunto da família administradora. O comportamento da usina tornou-se uma questão globalizada e uma condição para a realização de negócios.

Assim como já faz a Coca-Cola no contexto interno, o mercado internacional prioriza fornecedores com avançadas práticas de sustentabilidade. Além de conhecer a saúde financeira das empresas, os investidores e parceiros comerciais externos querem saber como a usina se comporta em relação aos seus funcionários, clientes, fornecedores – e qual valor oferece a políticas de responsabilidade social e ambiental.

Projeto social desenvolvido para crianças por usina do Paraná: aspectos relacionados aos contextos sociais estão se tornando obrigatórios

Empresário de alimentos e energia

Nem todas essas exigências e características desejadas estão generalizadas no setor sucroalcooleiro nacional, que ainda observa casos de transgressão aos conceitos ético, social e ambientalmente responsáveis – comportamento respaldado por leis protecionistas que não exigiam muito aprimoramento da gestão e competitividade até recentemente. “O setor foi pautado por medidas governamentais que prejudicaram o seu desenvolvimento, ao longo de décadas até meados dos anos 90, quando houve a desregulamentação”, justifica o assessor de Relações Institucionais do Grupo Cosan, Erotides Gil Bosshard.

Para passar de produtor de açúcar e álcool a empresário de alimentos e energia, o usineiro foi obrigado a se profissionalizar e ainda é neófito em administração moderna. Por isso, o setor ainda convive com casos de maus tratos a trabalhadores e ao meio ambiente.

Em 2007, várias denúncias de desrespeito aos direitos humanos ou ao meio ambiente ganharam destaque negativo na mídia nacional. Em um dos casos, o Ministério Público do Trabalho autuou a Usina Renascença por manter trabalhadores em condições degradantes. O mesmo aconteceu com uma usina de Brasilândia/MS, que empregava 820 índios em situação insalubre.

As principais agressões ao meio ambiente são queimadas em locais proibidos, poluição da água dos rios e irregularidade em licenciamentos. Até novembro de 2007, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) aplicou R$ 3,5 milhões em punições a usinas. Entre multas e advertências foram 77 ocorrências – nos 12 meses de 2006, ocorreram 78 registros.

Segundo especialistas, a gestão irresponsável do setor sucroalcooleiro nacional poderá ser um grande obstáculo para o aproveitamento do mercado biocombustíveis que está se abrindo. Além das empresas com preocupação ética, alguns países podem usar a bandeira do social e ambientalmente correto como barreira para ingresso dos produtos brasileiros.

Serão práticas de nações com o setor agrícola subsidiado e sem condições de competitividade no critério preço, quesito em que o Brasil é imbatível. O custo nacional de produção de etanol da cana é de aproximadamente US$ 0,25 por litro. Nos Estados Unidos, que fabricam o combustível a partir do milho, um litro é produzido por no mínimo US$ 0,45.

Nesse caso, o quesito sustentabilidade passa a ser o argumento de rejeição. “Por conta disso, o reflexo da cobrança internacional por práticas responsáveis e sustentáveis no mercado sucroalcooleiro será intensa a cada dia e somente as usinas com atitudes éticas e as melhores práticas sociais e ambientais, poderão tirar total proveito deste bilionário mercado”, acredita o presidente do Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios, Douglas Flinto.

Para aproveitar todas as oportunidades de mercado vislumbradas para o etanol brasileiro, o setor sucroalcooleiro nacional precisa correr contra o atraso. Segundo especialistas ouvidos por Alcoolbrás, a escolha ética dos empresários do setor sucroalcooleiro deve considerar igualmente os três tripés da sustentabilidade: economia, social e meio ambiente.

A dimensão econômica não pode ter prioridade. Aspectos relacionados aos contextos sociais e ambientais não são mais opcionais, estão se tornando obrigatórios e a ética se transforma em um “algo mais”, o que hoje se chama de vantagem competitiva.

Será exigido que o empresário do agronegócio canavieiro não se descuide da qualidade, administre muito bem seus custos para oferecer o melhor preço e obter lucro, com respeito ao meio ambiente e justiça social. “No mercado todos querem ganhar dinheiro. A ética não se opõe a isso. Ela pergunta: como ganhar dinheiro de forma correta sem prejudicar as pessoas e o planeta? Uma organização ética preocupa-se com os resultados sim, mas sabe o que não deve fazer para realizá-los”, explica o especialista Roberto Patrus, Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ética e Gestão Social do Mestrado em Administração da PUC Minas.

Divulgação/Usina Coruripe

Adaptação em veículo para oferecer conforto ao cortador de cana - qualidade de vida e trabalho dos colaboradores faz parte da gestão ética da usina

Espelhos para elevador

Mas, embora seja sinônimo de competitividade no mercado global, a ética não pode ser adotada por uma empresa apenas como estratégia de marketing ou para atender uma necessidade mercadológica. A reputação de uma organização, muito mais do que a sua imagem, deve ser considerada como uma das condições para a perenidade do negócio.

Introduzida nas empresas mais para tranqüilizar consciências do que para promover aperfeiçoamentos morais, a ética ganha efeito “pomada”, utilizada exclusivamente para uso externo. É o caso de um condomínio descrito em uma metáfora dos filósofos Carlos Llano e Héctor Zagal, autores de um livro sobre o tema.

O conto compara a ética com “espelhos para elevador”: em um luxuoso prédio comercial, os usuários se queixavam continuamente da lentidão dos elevadores. Quando todo o maquinário obsoleto seria substituído por equipamentos mais modernos e mais caros, foram colocados espelhos no hall de espera do edifício. As pessoas começam a se ver, o tempo se ocupa e se elimina a sensação de espera.

Segundo Patrus, sem a gestão da cultura organizacional, sem aperfeiçoamento dos processos e desenvolvimento das pessoas, a ética nos negócios será mero discurso, desarticulado da prática cotidiana. “Será como um espelho no hall de um elevador”, analisa. “Com a ética não se brinca. Se os consumidores estão ficando mais exigentes, com certeza eles estão mais exigentes ainda com as empresas que se dizem éticas”, completa.

De acordo com os especialistas, a ética nos negócios é uma forma de gestão e deve estar imbricada na cultura e nos processos administrativos, tecnológicos e decisórios de uma organização.

Segundo Flinto, para uma empresa ser considerada verdadeira e inquestionavelmente ética é necessário reunir inúmeras qualidades, que devem ser inseparáveis e até indistinguíveis no dia-a-dia dos seus negócios: honestidade e integridade de conduta em ações e práticas empresariais; aversão a sonegação fiscal; extrema atenção as obrigações legais; respeito total aos funcionários; preocupação social e ambiental; e transparência com todos os seus públicos.

Vários desses pontos permeiam a criação do Código de Ética da Usina Cocal, recentemente implantado com foco inicial nos funcionários da empresa. Localizada em Paraguaçu Paulista/SP, a unidade, que mudou o nome para Cocal Energia Responsável, argumenta que a implantação do documento não atendeu somente a uma futura exigência do mercado. Veja texto página xx. “Foi uma estratégia que partiu dos diretores, com base necessidade de se definir melhor as regras e os valores da empresa, como foco na profissionalização do público interno, para criação de critérios nas relações dentro da usina e com seus parceiros externos”, conta o supervisor de Gestão de Resultados da Cocal, Elder Landgraf.

As queimadas são consideradas inimigas da ética: 125 usinas paulistas já se comprometeram a extinguir a prática até 2017

As iniciativas do setor

O Código de Ética é considerado um dos principais instrumentos da gestão responsável de qualquer empresa. Mas apenas wa sua adoção não é suficiente. A melhora a qualidade da gestão ética-social das usinas demanda um conjunto de ações.

“As usinas têm de encontrar maneiras de evitar as famigeradas queimadas e dar um destino responsável aos resíduos de sua produção. Aliado a isso, ações de responsabilidade social nas comunidades a sua volta serão muito bem vindas”, aponta Flinto.

O setor já demonstra suas iniciativas. Embora sejam conceitos relativamente novos no Brasil, assim como a Cocal, outras usinas já buscam adotar a ética e a sustentabilidade como forma de gestão dos seus negócios.

Até 2003, poucas empresas associadas à União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) apresentavam balanço social de suas empresas, prática realizada por quase todas atualmente – a entidade tem pouco mais de 100 conveniadas. “Somente no Estado de São Paulo, a Unica já selecionou mais de 304 projetos de responsabilidade social, um dos grandes passos para o nível A da ética empresarial”, completa Boshard.

O governo de São Paulo já recebeu a adesão de 125 unidades produtoras de açúcar e de álcool ao protocolo agroambiental do setor sucroalcooleiro, que tem o compromisso de eliminar a queima da palha de cana-de-açúcar até 2017.

A Usina Ruette foi uma das primeiras unidades a assinar o acordo. A adesão ao protocolo agroambiental faz parte das diretrizes adotadas pela empresa, que desde 2005 passa um processo de sucessão e profissionalização. (veja texto página 58).

Segundo a diretora da usina, Carmen Ruette, a ética e a sustentabilidade ainda não são condições na venda de produtos atualmente, mas a empresa quer antecipar solicitações futuras. “No momento não sofremos exigência de nenhum de nossos clientes, mas esperamos abrir os mercados europeu e americano para nosso álcool combustível, quando poderemos ser chamados a apresentar certificados de qualidade e responsabilidade social”.

À exceção de multinacionais e grandes grupos de alimentos e bebidas – casos de Coca-Cola, Nestlé, Unilever e Ambev – nenhum outro cliente no mercado interno apresenta tantas exigências ao setor. Mas a imposição no contexto internacional parece inevitável. Cada vez mais, a ética vai se tornar um princípio fundamental para as empresas.

Competência não significa mais produzir muito e com menor custo, como acontecia há até poucos anos. Sustentabilidade e ética são os conceitos que determinarão a nova situação do setor de açúcar e álcool. No ritmo atual da internacionalização, só os competentes sobreviverão. “Se isso não for feito voluntariamente pelas usinas, o governo, ávido por estas divisas, fará com que a ética e a responsabilidade venham por decreto. Se este bonde passar, não serão somente os usineiros que perderão, mas sim, toda uma nação”, conclui Flinto.

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