Edição 110 – 2007
Transporte de conhecimento

Divulgação Volvo
Valor do transporte agrícola é inferior nos EUA: Brasil perde competitividade
Especialistas e usinas pioneiras recomendam diversos ajustes nos implementos rodoviários para reduzir custos e aumentar disponibilidade das frotas no momento de expansão canavieira

O Brasil estima a colheita de aproximadamente 528 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na safra 07/08. Todo este volume de matéria prima será levado do campo para a indústria em implementos rodoviários – equipamentos que se tornaram mais um foco da tentativa de redução de custos nas usinas nacionais.

Um estudo divulgado recentemente por especialistas do agronegócio revela a possibilidade de conquista de vantagens no mercado internacional se as empresas brasileiras reduzirem gastos envolvidos em transporte. O levantamento indica que o custo médio da produção agrícola por hectare é 21% menor no Brasil em comparação ao valor investido nos Estados Unidos – a estatística considera todas as culturas agrícolas comuns aos dois países.

Mas o valor do transporte, inferior nos EUA, pode reduzir a competitividade brasileira. Dados não oficiais calculados pelas usinas brasileiras apontam que o CCT (corte, carregamento e transporte) corresponde a aproximadamente 25% do valor da tonelada da cana no País.

No Brasil, o transporte de alta performance de canas inteiras e picadas utiliza treminhões, tetraminhões, pentaminhões, rodotrens e rodotrês. Para especialistas ouvidos pela reportagem de ALCOOLbrás, alguns procedimentos são capazes de reduzir esses índices e aumentar a competitividade nacional.

Muitos fatores interferem diretamente nos custos da operação. A má escolha do tipo de veículo empregado representa a primeira influência negativa. Segundo especialistas, as usinas devem priorizar soluções que contemplem a maximização de escala para minimizar gastos.

O transporte rodoviário necessita de composições que aumentem a carga útil por unidade transportada em grandes distâncias. Em geral, as grandes composições, corretamente dimensionadas, têm custo mais baixo por tonelada transportada e consomem menos combustível.

Além da correta especificação dos implementos rodoviários, a redução de custos e o aumento desempenho da operação exigem atualmente qualidade no gerenciamento da frota. “Os implementos rodoviários ainda podem ser melhorados, atendendo a algumas necessidades imperativas”, garante o engenheiro Luiz Nitsch, diretor da Sigma Consultoria Automotiva, no último seminário do IDEA, em Ribeirão Preto.

Segundo o consultor, o aumento de produção de matéria-prima no Brasil reivindica a redução da manutenção nos veículos. Com a extensão do período de safra e expansão das fronteiras canavieiras, o tempo disponível para reparos e consertos diminuiu na mesma proporção em que o uso dos implementos rodoviários foi ampliado.

Este contexto demanda atualizações tecnológicas dos equipamentos. “Todas as usinas precisam baratear seus custos de transporte, atualmente um dos componentes mais caros na formação do preço da matéria prima a ser entregue na indústria. A única maneira de se conseguir isso é transportar mais cana por viagem num tempo menor”.

Implemento carregado parado para manutenção: redução de custos exige qualidade no gerenciamento da frota

Melhorias na suspensão

De acordo com Nitsch, o aumento da disponibilidade da frota exige, melhorias no sistema de suspensão dos veículos. O consultor sugere a instalação de uma rala especial na primeira julieta, aquela que é engatada no caminhão rebocador, em composições do tipo tetra ou pentaminhão – para aumentar a segurança operacional.

Como não podem, por lei, trafegar em rodovias oficiais, tais composições são utilizadas por usinas que possuem estradas próprias. Conforme Nitsch, a primeira é a principal julieta prejudicada pelo esforço de tração, derivado da carga radial na rala conseqüente dos reboques posicionados atrás - a peça é sugerida para a segunda julieta, no caso do pentaminhão.“O equipamento foi feito para suportar peso, mas à medida que se foi engatando mais julietas umas nas outras, o esforço radial na rala da primeira julieta aumentou e houve alguns acidentes no Brasil”, comenta.

A rala especial sugerida possui uma espécie roda de carroça dentro da própria peça, onde existe no centro um pino rei, que absorve todo o esforço radial – a ferramenta ainda não existe em escala comercial. Um protótipo foi construído na própria oficina da Usina Japungu, localizada na Paraíba, que transporta suas canas inteiras, em tetras e pentaminhões. “O ideal seria uma rala especial de roletes cilíndricos ou cônicos, mas isto não existe ainda”, observa Nitsch.

Após testes na safra passada, a unidade decidiu instalar a rala especial em 35 ‘primeiras julietas’, todas da sua frota atual. Os equipamentos começarão a operar no início da temporada 07/08 – uma empresa do Nordeste assumiu a produção comercial do equipamento e implantou o reforço nas ralas originais.

Segundo o gerente de manutenção automotiva da Japungu, Expedito Floriano Alves, o objetivo principal da empresa é evitar acidentes – sem nenhuma vítima pessoal, três foram registrados na última safra. “A rala especial impede que o reboque se desconecte do seu respectivo ‘dolly’. A peça realiza um acoplamento seguro. Quando ocorre eventual e acidentalmente um desarme da rala convencional, o veículo rebocado fica desgovernado e causa sérios riscos”.

Nos reboques que possuem eixos duplos em tanden (implementos de 3 ou 4 eixos), Nitsch recomenda a instalação de uma suspensão tipo “boogie”, sistema utilizado no mundo inteiro, em implementos rodoviários de médio e grande porte. A configuração existe desde 1953 e todos os caminhões 6X4 globalizados utilizam este arranjo.

Mas a primeira adoção por usina brasileira, em implementos rodoviários, ocorreu há apenas quatro safras – o pioneirismo foi da Cia. Energética Santa Elisa. Na unidade matriz, em Sertãozinho/SP, 70 rodotrens transportam toda a cana própria do campo para a fábrica – nesta safra, a unidade prevê moer 6 milhões de toneladas. Os equipamentos mais novos, 56 rodotrens ( 47 para cana e 9 para vinhaça), estão equipados com a suspensão tipo “boogie”.

Segundo o gerente de produção agrícola da Santa Elisa, Otávio Tuffi, o sistema apresenta “muito bom” desempenho desde a implantação. A empresa tem planos de substituição paulatina do equipamento tradicional de balancim até o sistema “boogie” alcançar 100% da frota nos próximos cinco anos. Todos os rodotrens a serem adquiridos futuramente também incorporarão a tecnologia.

De acordo com Tuffi, o custo inicial é “um pouco” mais caro, mas a robustez do sistema e a manutenção simplificada compensam o investimento. “É um tipo de suspensão mais ‘macia’, que conseqüentemente provoca menos danos na estrutura do equipamento rodoviário, quando ele roda vazio, minimizando o ´pula-pula´. O modelo convencional, bem mais ‘duro’, requer muito mais manutenção”, garante. O implemento rodoviário opera sem cargas em 50 % do tempo de operação.

Durante as quatro safras em que foi usado, o sistema exigiu somente reparos nos freios, por desgaste devido ao uso. Na suspensão em si, a cada revisão de entresafra, foram substituídas somente as “galochas” de borracha e algumas folhas de molas. Conforme Tuffi, os veículos equipados com o sistema tradicional requerem consertos em todas as entressafras, às vezes até durante a própria safra.

Às vésperas da quinta temporada, Nitsch atribui a necessidade de manutenção mais rigorosa a possíveis erros na lubrificação dos mancais A suspensão tipo “bogie” tem apenas dois pontos para serem lubrificados, o que reduz tempo e freqüência do procedimento. “Lubrificamos a cada 10 dias. A suspensão balancim deve ser lubrificada a cada 7 dias. Houve ainda diminuição do tempo necessário para fazer a operação por implemento. Antes era de 30 minutos e hoje caiu pela metade”.

Outras vantagens apontadas são redução de desalinhamento de eixos, porque não existem braços de ancoragem com buchas - conseqüentemente ocorre menor desgaste de pneus. “Operamos 2,5 safras com os pneus originais do equipamento”, informa Tuffi. “Na Santa Elisa é muito importante baixa manutenção, pois não possuímos oficinas automotivas próprias. Somente as colhedoras de cana são mantidas domesticamente. O resto da frota, inclusive os implementos rodoviários, são mantidos por terceiros contratados”.

Divulgação Sigma Consultoria
Rala especial para instalação na primeira julieta: pino rei absorve todo o esforço radial

Adequações no sistema de freios

Segundo o consultor, adequações no sistema de freio também são traduzidas em economia de recursos e manutenção. “O Brasil utiliza os mesmos freios que usava em 1974 quando surgiu o primeiro treminhão”, frisa, em referência à dimensão de 8 polegadas de largura de lonas e tambores.

Nitsch avalia que o uso de lonas e tambores de 10 polegadas possa ter maior vida útil, porque a área de frenagem aumenta em aproximadamente 20%. “Isso significa parar menos o veículo para substituição de lonas, procedimento que é um ‘calo no pé’ de quem administra os equipamentos”.

O consultor esclarece, porém, que não ocorre grande melhoria no desempenho da frenagem, pois os outros componentes e a pressão pneumática disponível não sofrem alterações. Segundo ele, para melhorar esta performance, seria necessário um completo redesenho dos sistemas atuais – o que representa uma tarefa complicada e demorada.

Para o especialista, embora seja usado em quase 100% dos equipamentos motorizados e rebocados no Brasil, o freio de 8 polegadas não atende as atuais necessidades de baixa manutenção que as usinas exigem.

Algumas unidades nordestinas e outras localizadas no Centro-Sul, como a Usina Batatais - que operam em terrenos com muito declive – chegam a substituir lonas até duas vezes por safra devido a sua topografia. Estima-se que um sistema de 10 polegadas “agüentaria” uma safra inteira sem a necessidade de intervenções. “Esbarramos na falta de disponibilidade deste produto no mercado, mas estamos dispostos a testá-lo, porque realmente temos desgaste muito grande nas lonas”, confirma o gerente de manutenção automotiva da Batatais, Sérgio Longo.

O Brasil não possuía fornecimento de sistemas de freio de 10 polegadas até os últimos meses, quando uma empresa nacional começou a oferecer o equipamento no mercado. Apenas uma montadora de caminhões pesados utiliza freios de 10 polegadas. “Seria desejável que as fornecedoras de sistemas de freios a tambor pensassem em melhorar seus produtos, visando diminuir as distâncias em frenagem emergencial súbita. Para frenagens normais, o sistema atende em performance mas deixa a desejar em durabilidade”, reclama Nitsch.

O consultor também preconiza a instalação de indicadores das espessuras das lonas, um sistema simples que permita fácil observação visual dos níveis de desgaste. Segundo ele, as usinas não contam com este tipo de ferramenta nos veículos, atualmente equipados com uma “janelinha” no “espelho” dos patins, que, freqüentemente suja por palha ou barro, impede a identificação da condição de vida das peças – os mecânicos, ajudantes ou motoristas precisam se posicionar sob o semi e o reboque para fazer a checagem.

De acordo com Nitsch, há conseqüências nefastas quando a troca das lonas não é realizada no tempo correto e ocorre a“virada do S” – desde a perda de um par de pneus por “lixamento”, com o veículo vazio, até a destruição dos talões dos pneus, caso o veículo esteja carregado, devido superaquecimento dos tambores.

Para resolver o problema, sete usinas brasileiras adotaram um sistema que indica o momento necessário para a substituição das lonas. O equipamento inclui a instalação de um ponteiro indicativo associado à “posição do S”. A proximidade dessa haste a uma referência pré-determinada sinaliza desgaste crítico nas lonas. “O sistema acaba com a possibilidade de virada do ‘S’”, testemunha Expedito Alves, da Japungu, que implantou a ferramenta há dois anos em todos os reboques da frota da usina.

Cada vez que o motorista freia, o ponteiro acompanha a rotação do eixo “S”. Com o desgaste gradual das lonas, a peça muda de posição e se aproxima ao poucos da referência crítica. Quando a peça se alinha com a marca, o equipamento exige a troca das lonas.

O sistema desenvolvido na Japungu custa entre R$ 2,80 a R$ 4,20 por roda. “ É uma forma de manutenção preventiva simples e barata. Basta instalação em uma roda, porque as outras se desgastam de maneira semelhante. Se houver um indicador por roda, seria melhor”, esclarece Nitsch.

A possibilidade de redução de avarias estimulou a Usina Equipav a adotar o sistema a partir do ano passado. A unidade possui frota de 665 equipamentos motorizados e 318 implementos rodoviários – dos quais 120 rodotrens e 56 dollys. Atualmente o sistema está aplicado em 64 rodotrens e 38 dollys, o que representa 58% do total do grupo de equipamentos.

Segundo o supervisor de planejamento e controle da empresa, Fábio Sales, a Equipav pretende estender para outros grupos de equipamentos da frota. ”Tínhamos prejuízos com trincas de campanas, travamento de rodas e virada do eixo ‘S’. Depois que instalamos os indicadores de espessuras conseguimos fazer uma inspeção e preventivamente a intervenção antes de avarias maiores”, explica.

A Equipav ainda aponta a prevenção de acidentes, a extensão da durabilidade das lonas e tambor e aumento na disponibilidade dos equipamentos – além de redução de custos com reparo e manutenção no sistema de freios.

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Ponteiro indicativo no sistema de freio: proximidade a uma referência pré-determinada sinaliza desgaste nas lonas

Vazamento zero

Os cuidados com o freio só estarão completos se a usina controlar com rigor o vazamento de ar em sistemas pneumáticos, garante o especialista. “O ar não custa dinheiro, mas a perda de tempo, sim. As usinas brigam por 15 segundos adicionais gastos no levantamento de uma caixa de transbordo e perdem até 5 minutos para poder ‘fazer ar’ para a julieta sair. É algo até controverso”, argumenta.

A Japungu está conseguindo resolver o problema por meio de um programa de vazamento zero em tetra e pentaminhões implantado há dois anos. O projeto, que inclui 17 caminhões e 90 reboques, foi a alternativa da empresa para aumentar a disponibilidade no uso dos veículos, índice que permanecia aquém dos 85% reivindicados pela diretoria da usina.

À tradicional manutenção ventral semanal, para julietas, e caminhões, o programa vazamento zero aumentou a lista e a freqüência de checagens, que subiram de 8 para 12 inspeções a cada sete dias. Além disso, a Usina Japungu também construiu uma máquina de teste, desenhada por Nitsch, que faz aferições no sistema pneumático sem necessidade do caminhão.

O equipamento consiste em um carrinho comum, com dois reservatórios de ar alimentados pela rede da oficina e alguns manômetros e válvulas moduladoras, iguais às existentes nos tratores e caminhões rebocadores . “Antes nem sempre tínhamos um caminhão ou trator sobrando para fazer isso”, explica o gerente de manutenção automotiva, Expedito Alves. “Hoje a própria máquina varre todo o sistema em busca do problema. Se houver alguma incorreção, detectamos e consertamos imediatamente”, completa.

A prevenção de vazamentos proposta pelo programa inclui selagem absoluta nos engates pneumáticos, drenagem periódica da água condensada nos reservatórios de ar, exame auditivo na busca de escapes de ar e uso de obturadores traseiros nos engates fêmea para evitar acúmulo de terra nestas peças, causado pela turbulência de poeira na traseira do último reboque. “Esta terra fatalmente será bombeada para a válvula-relê, o dispositivo controlador central dos atuadores pneumáticos, que são os mecanismos que empurram as lonas contra os tambores”, explica Nitsch.

De acordo com Alves, os melhores resultados foram observados na safra 06/07. A usina registrou queda de 12% no número de ações corretivas – deste volume, 33% das reduções foram referentes a paradas específicas para retificações nos sistemas pneumáticos de freios. “Ainda é possível estender a redução das manutenções para 20%, mas isso demanda maior comprometimento dos colaboradores e alguns aperfeiçoamentos no sistema.

A Japungu também verificou economia de 75% do combustível usado para encher os reservatórios de ar dos reboques no campo. O trator engata e sai na hora. A espera foi eliminada. O caminhão rebocador também já encontra as julietas com reservatórios cheios.

Outro benefício conquistado foi a redução de acidentes, ameaça freqüente quando há problemas na linha pneumática de serviço do freio de reboques – as conseqüências são danos aos veículos e riscos à vida dos operadores.

As recomendações dos especialistas e as aplicações de sucesso nas usinas mostram que uma visão crítica sobre os equipamentos rodoviários utilizados pelas usinas e produtores de cana tem possibilidade de oferecer ao Brasil mais do que redução de custos e maior disponibilidade de frotas.

Para Nitsch, as usinas pioneiras que acreditam em novas tecnologias estão na frente das empresas conservadoras que temem experimentar as melhorias propostas.“As usinas que deram os primeiros passos já usufruem de benefícios há alguns anos enquanto outras continuam enfrentando dificuldades. O principal ganho é o aumento da competitividade”, ressalta.

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Uso de obturadores traseiros nos engates fêmea: prevenção ao acúmulo de terra
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